A teologia do Papa Francisco para as famílias
Miguel Almeida sj (coord.) | Ed. Frente e Verso | 310 págs.
Dois anos após a sua publicação, a exortação Amoris laetitia permanece como um dos documentos mais significativos do magistério de Papa Francisco. A “redução” da mensagem da exortação à questão sobre o acesso de católicos divorciados à comunhão eucarística (ainda que uma questão profundamente vital) contribuiu de certo modo para a criação de um ambiente de polémica em torno ao documento, distraindo o público daquele que seria o seu contributo mais fundamental: uma redescoberta do sentido e do valor do sacramento do matrimónio, num exercício marcante da teologia católica e, ao mesmo tempo, dirigido a todos os crentes e não apenas aos pastores, teólogos e canonistas.
Neste sentido, esta obra, sobre coordenação do atual provincial dos jesuítas em Portugal, procura trazer de novo para o espaço público a discussão e o aprofundamento da mensagem de Amoris laetitia. Reunindo 12 artigos de teólogos de diversos espaços geográficos internacionais (alguns dos quais já traduzidos entre nós, como António Spadaro ou Stella Morra) e sob diversas perspetivas da teologia – pastoral, moral ou dogmática – Alegria e Misericórdia condensa, nestas duas palavras plenas de significado, aquela que é a teologia do Papa Francisco para as famílias. Todos os autores aqui reunidos se unem em considerar a Amoris laetitia como uma nova etapa da visão católica sobre a família e o matrimónio, uma etapa que ainda está a viver as suas dores de parto e que se prolongará ao longo do futuro. Como refere D. António Marto no prefácio à obra, “[A Amoris laetitia] constitui a Magna Carta da pastoral familiar para o próximo futuro”.
Todos os artigos conduzem o leitor a regressar ao contacto com a Amoris laetitia, seja destacando a sua novidade, a sua fidelidade à tradição católica numa perspetiva de atualização no espírito do Vaticano II, ou as suas pistas e desafios pastorais assentes agora no acompanhamento, respeito pela história de cada pessoa e de cada casal e atenção aos processos pessoais de discernimento (ao invés de uma pastoral assente na mera aplicação de uma norma objetiva, resultando na categorização dos crentes). Enquanto alguns dos artigos se concentram numa leitura da exortação à luz da história da teologia moral e do magistério católico, outros procuram pistas pastorais para o acolhimento da mesma.
O capítulo VIII da Amoris laetitia (no qual se reflete sobre as situações de fragilidade e rutura do matrimónio) encontra particular relevância na abordagem dos artigos, indo ao encontro da realidade humana complexa mais do que a um ideal abstrato sobre o matrimónio. Curiosamente, estudando toda a história da teologia católica desde os seus inícios, passando pela Idade Média (e não apenas no magistério católico do século XX), é possível entender como a visão cristã do matrimónio sempre foi permeada pela sensibilidade ao meio social e à condição frágil da vida humana.
Aliando esta leituras às condições de vida atuais e à compreensão que o ser humano tem de si mesmo, resulta a certeza de que também projetos de vida construídos em segundas núpcias contêm em si a bênção divina e podem ser sinal da misericórdia revelada no Evangelho, alimentados pelos sacramentos da Reconciliação e da Eucaristia. Se já o sabíamos, pela leitura desta obra – que fazia falta no nosso contexto eclesial –, melhor compreenderemos o seu porquê e o seu significado.
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