Foi um acontecimento difícil, na comunidade onde habitualmente celebro a fé, que me tem levado a refletir sobre o sentido do que faço a cada domingo, semanalmente, por anos a fio. O acontecimento em causa foi o início de um processo de recriação do coro da celebração, que tem provocado reações muito fortes.
Um serviço é diferente de um direito. Todo o batizado tem o direito de, ao domingo, poder celebrar a eucaristia de um modo belo e digno – direito esse cujo acesso é, em muitas regiões, dificultado, devido também à disciplina eclesiástica. Esse é o meu direito, o de, sem grandes sentimentos ou emoções, sem sintomas físicos ou psicológicos, viver a minha pertença ao Corpo de Cristo, o Ressuscitado.
E aí estou, aí escuto uma Palavra de salvação, aí pronuncio as palavras que salvam, aí partilho de um pão que é o alimento da minha vida. O Pai-Nosso, esse, digo-o quase sempre baixinho, como um murmúrio, porque me sinto indigno – e porque as suas preces me vieram dos próprios lábios do Senhor.
Agradeço o silêncio, sempre necessariamente breve, e troco um abraço com as irmãs e irmãos, que não dependem de mim nem eu deles – por isso a liturgia, como a comunidade cristã, é um espaço de gratuidade, não de realização pessoal; a realização pessoal, essa, dá-se durante a semana, no trabalho, no dia-a-dia da família, nos transportes públicos.
Por vezes, é-me pedido que preste um serviço, o de leitor. Também trato da gestão da página da comunidade. Preferia não o fazer, preferia escutar alguém a dizer-me «outra pessoa poderá fazer isso de maneira melhor do que tu». Assim poderia regressar ao âmbito da gratuidade, da pertença à comunidade que reza e canta sem ocupar um cargo ou um serviço. Assim poderia regressar ao que, para a filósofa e mística francesa Simone Weil, é o mais importante da vida espiritual: a atenção pura. A atenção que, livre das preocupações por ter de realizar algo (ler, cantar no coro, preparar a mesa), pode simplesmente escutar e cantar, contemplar e viver.
A exigência pertence aos ritmos difíceis da semana: a exigência, a disputa, a vida ativa. A liturgia, essa, pertence a outro âmbito. E ainda bem.
Graças a Deus, posso celebrar a minha fé. Se algum serviço me é pedido prestar, a ele confio no melhor que puder fazer, e dele me liberto quando chegar a hora; e liberto-me agradecido. Assim, ninguém cairá na tentação de ter algo a agradecer-me, nem sequer a reconhecer-me. E assim serei enviado ao mundo, onde, infelizmente, tenho de procurar ser reconhecido. Na liturgia posso, simplesmente, estar presente. E agradecer.
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Eu pertenço a uma comunidade (sim posso dizer pertenço apesar de ultimamente mais ausente por motivos profissionais) há 27 anos. A mesma que frequentas…
Comecei por ficar seduzida… seduzida pela “festa” da palavra, pela “festa” do partir do pão, pela “festa” onde a música tem e sempre teve um lugar fundamental. E permaneci porque reconheço que tinha encontrado o “meu” lugar.
Sempre vi todos os serviços da comunidade como um dar um pouco de nós, não pelo reconhecimento, não há procura de um agradecimento, mas sim por ter a certeza que todos podemos enriquecer aquele lugar onde CELEBRAMOS A FÉ… Nunca vi ninguém, integrado num dos serviços, a sentir que tinha um direito ( o nosso Presbítero teve sempre essa função de relembrar isso mesmo…)!
Passei por vários serviços que tentei dar muito de mim (apesar que todos temos limitações…) e o melhor de mim…
Passei pelo serviço da música em que todos os elementos eram responsáveis desse mesmo grupo. Dei e vi dar o melhor de cada um…
Recriação do grupo coral? Que significa isso? Ouvir um Presbítero aparecer num normal ensaio e dizer “o coro cai” sem explicação? Ver a cara de surpresa, de choque de todos elementos, que 4 meses antes tinham sido elogiados e aplaudidos? O que fizeram de errado? Começaram a cantar mal de um dia para o outro? Cantam músicas difíceis que a assembleia não consegue acompanhar? ( sempre vi a comunidade a deliciar-se com a música e a participar no dito refrão). O compositor, bastante falado e cantado na comunidade, Fernando Lapa tem cânticos fáceis? Já ouviram um coro da Sé do Porto? Já ouviram um coro da Igreja da Lapa?…. e poderia inúmeras muitos e muitos mais.
Reações fortes!!!! Claro que sim, de tristeza, descontentamento, de desilusão, de procurar uma resposta a muitas perguntas que são colocadas, de tentar saber qual o lugar de todos que buscam uma “festa” da palavra e uma “festa” do partir do pão que sempre seduziu e que…. sentem que começa a faltar…
E como diz o Papa Francisco: ” NÃO TENHAIS MEDO DE USAR DE TERNURA”
Obrigado Filomena, pela partilha, e “bem-vinda” ao site da Fundamentos. Precisamos muito, de facto, de “USAR DE TERNURA”. Um abraço.
Rui, tive dificuldade em responder directamente à tua resposta. Só foi aceite como novo post.
Houve erro na citação das palavras do Presbítero. Aqui vão as palavras certas: “Na Serra do Pilar, revelar aos irmãos mais pobres culturalmente (porque sistematicamente e praticamente lhes tem sido negado o direito do acesso aos frutos do espírito), é uma coisa que está ao alcance do SERVIÇO (de Música) prestado a quem dele tem mais necessidade.” (Comunicação ao Serviço de Música, 1984).
Faltava também a minha despedida. Agora vai.
Um grande e fraterno abraço para ti.
Arsénio
Obrigado Arsénio, pela partilha. Volto a dizer que o meu texto foi suscitado pelos acontecimentos da Serra, mas não pretende ser algum “contributo” para o “debate” que necessariamente terá lugar na própria Serra, usando da TERNURA. Um abraço.
Caro Rui, obrigado por me teres respondido.
Talvez não tenha exprimido bem o que entendo por “beneficiem”.
Queria dizer que os vários Serviços duma Comunidade trabalham dando voluntariamente o seu tempo para tornar uma CELEBRAÇÃO ou um ÁGAPE mais alegre, participativo e estimulante para a acção evangélica. Se não quisermos chamar a isto um “benefício” (bene facere…) dêmos-lhe outro nome. Mas uma coisa é certa, os vários Serviços prestados por pequenos grupos a um grande grupo são algo que “faz bem” ao Grupo Geral. E não exigem nada em troca sendo, portanto, um Serviço de Amor. E o AMOR só FAZ BEM.
Indo ao tema que está subjacente a este teu post. O Serviço de Música da nossa Comunidade, na linha do Concílio Vaticano II, todos sabemos que ele faz parte integrante da Assembleia e realiza uma função própria. E faz parte integrante da Assembleia no sentido em que nasce dela e se volta para ela. Sustenta e estimula a Assembleia com o seu canto. Desenvolve a sua função executando as partes mais difíceis dos hinos e da salmodia e sustenta o canto da Assembleia nas aclamações, nos refrães ou nos diálogos com o Celebrante. Pensemos nas peças que o Fernando Lapa tem composto para a nossa Comunidade: têm quase sempre este esquema: Hino ou Antífona (Coro), Refrão (Assembleia e Coro), Salmodia (Coro) e, novamente, Refrão (Assembleia e Coro). Sempre assim temos cantado na Comunidade (apesar do que se tem dito mas não provado…) Na nossa Comunidade o Serviço de Música nunca substituiu a Assembleia no ordinário da Celebração: Kyrie, Amém, refrão do Salmo Responsorial, final da Anáfora, Santo e Cordeiro. Nos momentos mais adaptados, Ofertório, Comunhão e Final, o Serviço de Música canta algumas peças mais elaboradas do tesouro musical da Igreja. Aliás, seguindo as orientações do nosso Presbítero quando nos escreveu: “Na Serra do Pilar, revelar aos irmãos mais pobres culturalmente (porque sistematicamente e praticamente lhes tem sido negado o direito do acesso aos frutos do espírito), é uma coisa que está ao SERVIÇO (de Música) prestado a quem dele tem mais necessidade.” (Comunicação ao Serviço de Música, 1984).
Muita coisa se tem dito em público e nos corredores que não vem de encontro a isto que está escrito e ao que este Serviço de Música tem praticado na nossa Comunidade.
Por vezes, da “RECRIAÇÃO” a partir das cinzas não renasce Fénix alguma.
Na nossa Comunidade, várias vezes o Presbítero fala do importante “Serviço da Presença”. Mas, para que haja um sereno, agradável e frutuoso “Serviço da Presença”, trabalham arduamente muitos outros Serviços preparadores e actuantes na nossa Celebração Dominical: Serviço da Limpeza e dos Arranjos Florais (muito ignorado este serviço), Serviço da Partilha Fraterna, Serviço Administrativo, Serviço da Catequese, Serviço da Comunhão, Serviço do Atendimento e Serviço de Música.
Todos estes Serviços dão voluntariamente muito do seu tempo para que aqueles que fazem parte do Serviço da Presença beneficiem duma frutífera Celebração Dominical da Ressurreição do Senhor.
Ninguém é maior do que ninguém.
Todos somos um só Corpo: O Corpo Visível de Cristo.
E, como diz, o Papa Francisco, “Não tenhais medo de usar de TERNURA. O mundo sofre duma doença chamada “CARDIOESCLEROSE”!
Arsénio, obrigado pela partilha. Não concordo com a expressão «beneficiem», acho que a celebração não é um conjunto de serviços que um grupo de pessoas presta a outro. Mas concordo na necessidade urgente da TERNURA. Um abraço amigo. Rui Pedro