Byung-Chul Han | Ed. Relógio d’Água | 104 págs.
A editora Relógio d’Água prossegue a publicação em Portugal dos ensaios de Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano radicado na Alemanha. O tom direto e incisivo da sua escrita aponta, num registo realista, as múltiplas enfermidades de que padece a sociedade contemporânea, que o autor designa como sociedade pós-industrial ou sociedade da comunicação e do digital, do excesso de produção e de comunicação. A perda dos referentes rituais – análise que o autor refere como isenta de nostalgia, mas apontando o futuro – é uma dessas enfermidades, com as quais a vivência religiosa está intimamente relacionada.
A obra faz o elogio do ritual, do símbolo, do hábito, da forma e da repetição, categorias e experiências que já adquiriram, no vocabulário comum, uma acepção negativa. “Quem se entrega aos rituais deve abster-se de si mesmo. Os rituais engendram uma distância do eu em relação a si mesmo.” A vida numa sociedade de informação pede a constante novidade, a passagem fugaz de estímulos e informações que rapidamente se sobrepõem, criando, na expressão do autor, um tempo plano e uma atenção plana, sem etapas de demarcação. A experiência ritual e religiosa constitui, pelo contrário, a busca de uma atenção profunda, demorada, na qual se ligam os sentidos ao conhecimento profundo, consciente e inconsciente.
O ritual encerra, estabelece etapas, orienta para um fim e uma finalidade, torna o tempo denso, ao invés do tempo plano e líquido do neoliberalismo. Os rituais defendem o limiar e o atrito (como a literatura) como espaços nos quais o mistério se mantém: mistério esse que a sociedade da comunicação procura eliminar, acelerando a circulação. “Os limiares falam. Os limiares transformam. Para lá do limiar está o outro, o estranho. Sem a fantasia do limiar, sem a magia do limiar, resta apenas o inferno do igual.”
Finalmente, o ritual joga com a linguagem, com o corpo como portador de significados, com a gratuidade dos gestos e das palavras recebidas pela Tradição (e, por isso, relativizando o papel da geração presente, retirando o eu individual e coletivo do seu centro narcísico). A ritualidade não exige uma eficácia, nem uma moral, nem um sentido: vive no dom, como a dança, a poesia, o pensamento. Realidades a que não só a sociedade neoliberal procura esquecer, como – aqui o autor já não refere – a própria comunidade cristã nem sempre está atenta, ao exigir da sua liturgia e da sua dimensão contemplativa sentidos e resultados que não lhe pertencem.
“Dada a crescente coacção para produzir e para a performance, é uma tarefa política fazer um uso diferente e divertido da vida, um uso lúdico. A vida recupera a sua dimensão lúdica quando, em vez de se submeter a um propósito externo, passa a referir-se a si mesma. Há que recuperar a calma contemplativa. Se se priva por completo a vida do elemento contemplativo, o homem sufoca no seu próprio fazer. O sabat indica que a calma contemplativa, a quietude e o silêncio são essenciais para a religião. Também neste sentido a religião se contrapõe diametralmente ao capitalismo. O capitalismo não gosta da calma. A calma seria o grau zero de produção e, na era pós-industrial, o grau zero de comunicação.”
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