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É sublime, Senhor, a tua Presença,
na maravilha máxima de um silêncio que se tenta escutar.
Da Criação deixas-nos os traços
de um sentido violento e harmonioso
como dores de parto (Rom 8).
Mas Tu, aí, estás escondido.
Do teu nascimento, narram-nos as crónicas,
apenas se deram conta pastores e sábios do oriente
e os violentos. Mas Tu permaneceste escondido
como Senhor da Paz. Essa era a tua força.
Passaste fazendo o bem (Act 10)
curando e libertando. Mas esses não te seguiam
nem com eles formaste um movimento. Se não,
tudo seria terminado pela história.
Não deixaste uma regra escrita,
nem um corpo a quem adorar (Jo 20).
Quando aos discípulos se lhes abriram os olhos (Lc 24)
Tu desapareceste. Foi aí que eles abriram os olhos.
E permaneces. Os pregadores fazem pregações,
os escritores escrevem tratados e pensamentos espirituais,
os líderes formam estruturas e criam imagens,
tudo em nome da Palavra.
Mas um Filho nos foi dado (Is 9).
Que a minha vida te pertença, ó Verbo de Deus.
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«O instrumento que se dedilha é a nossa vida, de Deus recebida e a Deus oferecida.»
António Couto, O Livro dos Salmos, Ed. Missões 2015
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Ouvir a Estrela
Que nesta hora de contornos duros
eu possa, meus Deus, ouvir a estrela
e aprenda a seguir, mesmo na fragilidade,
de vislumbre em vislumbre
a sua transparência preciosamente pura
Não é verdade que a vida não se altera:
Possa eu ouvir de novo a estrela de Deus
que faz mover a noite
Tudo na sua abóbada aberta nos reergue
por isso é possível renascer do alto
onde o amor se declara
na proposta de um começo
Ouvindo a estrela eu descubra
que do fundo de mim
Tu, meu Deus, caminhas para mim.
Imagem: Rui Aleixo MMXV
Texto: José Tolentino Mendonça
(via www.capeladorato.org)
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Paul Wittgennstein (1881-1961) era já um pianista austríaco reconhecido quando, durante a Primeira Guerra Mundial, sofreu uma amputação do braço direito. Prisioneiro de guerra num campo na Sibéria, decidiu continuar a sua carreira como pianista, e escreveu ao seu mestre, Josef Labor, para compor uma peça apropriada para o braço esquerdo. Outros compositores se seguiram. O concerto seguinte é de uma peça de Maurice Ravel, interpretado por Wittgenstein em 1937.
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«Cristo não te mandou ser apenas simples ou apenas prudente, mas ambas as coisas ao mesmo tempo, porque só assim elas serão verdadeiras virtudes. Propôs a prudência da serpente para que não recebas feridas mortais; e a simplicidade da pomba para que não te vingues de quem te faz mal nem afastes por vingança aqueles que te armam ciladas; sem esta simplicidade nada aproveita a prudência.
Ninguém pense que é impossível cumprir estes preceitos. Só o Senhor conhece perfeitamente a natureza das coisas: Ele sabe muito bem que a violência não se vence com a violência, mas com a mansidão.»
João Crisóstomo, bispo de Constantinopla (séc. IV)
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Hoje, na celebração da Eucaristia no Seminário Conciliar de Braga, a comunhão foi partilhada no Pão e no Vinho, entre todos – um gesto que continuará nas próximas semanas.
Há sinais que são bonitos, e importantes. É deles que a liturgia se alimenta. E por eles agradecemos.
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“e eu sensível apenas ao papel e à esferográfica:
à mão que me administra a alma”
Herberto Helder
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Perceber a diferença entre «bem-aventurados
os que trabalham para os pobres»
e «bem-aventurados os pobres».
Perceber a diferença entre a projecção
e a realidade.
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«Amo o caminho que estendes por dentro das minhas divisões.
Ignoro se um pássaro morto continua o seu voo
Se se recorda dos movimentos migratórios
E das estações.
Mas não me importo de adoecer no teu colo
De dormir ao relento entre as tuas mãos.»
Daniel Faria, Dos Líquidos. Este ano, o Advento chegou mais cedo.
«Portanto, estejam todos os pastores no único Pastor e proclamem a voz única do Pastor; oiçam as ovelhas esta voz e sigam o seu Pastor: não este ou aquele, mas o único Pastor. Apregoem todos com Ele uma só voz e não haja vozes diversas. Suplico-vos, irmãos, que tenhais todos uma só voz e que não haja entre vós divisões. Oiçam as ovelhas esta voz, purificada de toda a divisão, livre de toda a heresia, e sigam o seu Pastor que diz: As minhas ovelhas ouvem a minha voz e seguem-Me.»
Agostinho de Hipona, Sermão 46
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Acaba de chegar-me às mãos, vindo da feira do livro do Porto.
“Escrever um diário com a Morte – melhor: com a ideia livre da morte livre – no horizonte, não é sinal de desistência da vida, mas de busca de um saber-outro da morte, de confronto antecipado com o não-ser que é parte integrante do ser, e corolário necessário da vida.”
João Barrento, “Como um hiato na respiração – Diário do dia seguinte”, ed. Averno, Lisboa 2015.
“De tal maneira que o problema já não é fazer com que as pessoas se exprimam, mas proporcionar-lhes vacúolos de solidão e de silêncio a partir dos quais pudessem ter enfim qualquer coisa a dizer. As forças de repressão não impedem as pessoas de se exprimir, forçam-nas pelo contrário a exprimir-se. A doçura de nada ter a dizer, o direito a não ter nada a dizer, tal é a condição de que se forme qualquer coisa de raro ou de rarefeito que mereça um pouco ser dito.”
Gilles Deleuze, citado por Byung-Chul Han, ‘Psicopolítica’, Lisboa 2015
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Desde Março deste ano, foram (de modo excessivamente breve) apresentados 17 livros em colaboração com o Mensageiro de Santo António (uma pequena e simpática publicação mensal dos franciscanos de Coimbra), sendo à razão de 2 a 3 livros por mês. Em termos de editoras, temos as seguintes representações:
Apostolado da Oração: 3 livros
Paulus Editora: 2 livros
Paulinas Editora: 2 livros
Editora Carmelo: 2 livros
Edições Tenacitas: 2 livros
Cosmorama Edições: 1 livro
Editorial Franciscana: 1 livro
Relógio D’Água: 1 livro
Editorial Presença: 1 livro
Quetzal Editores: 1 livro
Temas e Debates: 1 livro
Fica a contabilidade provisória apresentada, com um obrigado a todos os leitores.
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Escutei hoje, na Eucaristia, no momento da Fracção do Pão:
«Recebemos, hoje, a visita inesperada de muitas pessoas; mas não há problema: parte-se o pão. É para isso que ele serve: para ser partido e partilhado; e chega para todos.»
«Todos os dispositivos e todas as técnicas de dominação engendram objetos de devoção que são introduzidos tendo em vista submeter. Que materializam e estabilizam a dominação. ‘Devoto’ significa ‘submisso’. O smartphone é um objeto digital de devoção, ou até mesmo um objeto de devoção do digital em geral. Enquanto aparelho de subjetivação funciona como o rosário, que é também, no seu manejo, uma espécie de telemóvel.
Um e outro servem para o exame e controle de si. A dominação aumenta a sua eficácia ao delegar em cada um a sua vigilância. O ‘gosto’ é o ámen digital. Quando clicamos no ‘gosto’, submetemo-nos a uma estrutura de dominação. O smartphone é não só um aparelho de vigilância eficaz, mas também um confessionário móvel. O facebook é a igreja, a sinagoga glogal (literalmente, a congregação) do digital.»
Byung-Chul Han, «Psicopolítica», ed. Relógio D’Água 2015
“Tenho testemunhado, nos oito ou dez livros que até hoje publiquei, sobre a incompatibilidade radical entre o mundo dos Princípes e o mundo das gentes. Incompatibilidade, que à medida que vou avançando na elucidação do objecto da minha visão, me parece não só radical mas igualmente insanável, uma espécie de ferida marca distintiva que nos separa, entre os humanos, uns dos outros (…)
Essa ferida não separa os ricos dos pobres, nem os opressores dos oprimidos, nem se traduz em níveis de rendimento, mesmo se historicamente a divisão a que me refiro tomou essas formas várias de disfarce. Não, essa ferida separa os atentos e os distraídos, os mornos dos intensos, os necessitados de misericórdia e os orgulhosos. Se, no que até hoje escrevi, algo deva ficar, desejaria que fosse isto:
Há uma história silenciosa dos intensos que, porque necessitados de misericórdia, não impuseram aos seus congéneres as cadeias da explicação, nem miragens para o desejo. Gostaria que sobrevivesse a afirmação que nós somos epifanias do mistério, e mistério que nos nossos balbuciamentos se desenrola.”
Maria G. Llansol, Lisboaleipzig 1: o encontro inesperado do diverso, ed. Rolim, Lisboa 1994, pág. 85
do corpo
a nós que vivemos no espaço
tempo do corpo
da morte na vida e da vida na morte
concede-nos a graça de vivermos
humanamente a nossa condição,
descobrindo o sentido da nossa existência
onde tu nos encontres
cumprindo a carta das Bam-aventuranças para este mundo
nós to pedimos por Cristo Jesus,
que nos mostrou uma outra
maneira de estar contigo
e com os outros;
nós to pedimos
pelo Espírito de comunhão
que como um nó nos une
José A. Mourão
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“Não podemos falar nem correcta nem directamente das palavras que nos põem de pé. Infelizmente, para entender esta mecânica subtil (simples, todavia) precisaríamos de todo o saber-fazer do engenheiro, a meticulosidade do sábio, a acuidade do testemunho, os escrúpulos do asceta – sem esquecer a ligeireza do anjo.”
(Bruno Latour, Jubiler, Paris 2002 – cit. por José A. Mourão)
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Em todos os momentos da história, o mistério é o mesmo: passar do medo ao Amor:
«Falando agora dos que começam a ser servos do amor – porquanto não me parece outra coisa o determinarmo-nos a seguir neste caminho da oração a quem tanto nos amou -, é uma dignidade tão grande que me regalo estranhamente em pensar nela; porque o amor servil logo desaparece se, neste primeiro estado, vamos como devemos ir.» (Teresa de Ávila, Livro da Vida, 11,1)
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Também o Verbo teve de aprender, pelo sofrimento, o que a Carta aos Hebreus designa como a obediência pela fé: um novo modo de presença, um novo modo de agir que se identifica mais com o Espírito. De líder carismático de um movimento renovador de Israel, Jesus de Nazaré tornar-se-á o sem rosto, de quem desviámos o olhar, cuja aparência não é agradável, até ser o Corpo Ausente.
De um anúncio espectacular do Reino que está próximo – convertei-vos! – Jesus tornar-se-á o anfitrião de um Banquete no qual apenas dirá “Este é o meu Corpo”, e do qual o Reino será apenas uma certeza de cujo fruto beberá – um movimento de concentração infinita que a física moderna bem conhece, um Reino que já não dependerá nem da conversão de Israel, nem do seu próprio destino como Messias, mas que dependerá apenas de Deus.
E, no final, Jesus será o Noivo Ausente, cuja Ausência instaurará um Espaço, uma Abertura, uma Fecundidade: é o seu Corpo Ausente que expulsa os discípulos do sepulcro, é o seu desaparecimento da vista que expulsa os de Emaús de sua casa, para os reconduzir a Jerusalém. Será uma pura presença segundo o Espírito, Espírito de presença silenciosa, sem um corpo próprio afim de formar um Corpo no Outro; a mecha que mal fumega, a voz que não se levanta na praça. Jesus será Ungido pelo Espírito até à sua morte, para ser divinamente Transfigurado.
Tradicionalmente, a Igreja e a teologia subordinam o Espírito ao Verbo, o carisma à instituição, a ausência à presença, o símbolo à palavra, a fraqueza à força, o silêncio ao anúncio; mas, na Ressurreição, o Verbo tornar-se-á verdadeiramente o Corpo ou o Espaço onde, numa infinita fraqueza, todos encontrarão o seu lugar: exploradores e monges, mestres e discípulos, teólogos e artistas, evangelizadores e os pais de um filho, a estética e o social.
Este mês a Sígueme superou-se… (excertos e informações em www.sigueme.es)
Conhecem a página da comunidade cristã da Serra do Pilar? Aqui fica o endereço: www.serradopilar.com. Não deixem de fazer uma visita e de assinar a newsletter.
Amigo, já basta. Caso queiras ler mais,
Vai, torna-te tu próprio a escrita
[e a essência]
Este último dístico da última recolha do Peregrino de Angelus Silesius deveria ser representado no fim de todos os livros do mundo. Com o desígnio de que os livros deixem de ser, não objectos de admiração, de passividade, ou de repetição, mas códigos para partir, para entrar na experiência, para criar a partir de si um outro livro e o mesmo. Mais ainda: para criar-se a si próprio, diferente e o mesmo: a imagem do Único.
José A. Mourão, na Introdução à obra de Angelus Silesius A rosa é sem porquê, Lisboa 1991
«O altar de que vos falo é constituído pelos próprios membros de Cristo, e o corpo de Cristo torna-se para ti o altar. Venera-o, pois é sobre ele que na carne fazes o sacrifício do Senhor. Este altar é mais terrível do que aquele que se encontra nesta igreja… É certo que o altar que aqui se encontra é majestoso, por causa da vítima que ali chega; mas o da esmola é-o mais, porque é constituído pela própria vítima. Este é majestoso porque, feito de pedra, é santificado pelo contacto com o corpo de Cristo; o outro porque é o próprio corpo de Cristo. Logo, é mais venerável do que aquele diante do qual aqui te encontras, irmãos.»
S. João Crisóstomo, bispo de Constantinopla (séc. IV d.C.), in Om. su 2Cor 20,4
No sepulcro, as mulheres fogem, com medo; os homens, esses, nem ao sepulcro foram. Que significará este estranho silêncio a concluir o Evangelho de Marcos?
O anúncio é feito por um Jovem, vestido de Branco e sentado à Direita: é um anúncio divino. “Ressuscitou, não está aqui.” O lugar onde o haviam posto está vazio: é uma Ausência.
Habitualmente, a nossa reacção será a da repetição, repetimos estas palavras, este anúncio, dizemo-lo, nas igrejas, nas ruas, nas escolas, nas catequeses. Mas, para Marcos, a reacção será a do silêncio, do medo, do tremor, da estupefacção, de fuga. Serão estas as reacções provocadas quando este Anúncio encontra o seu verdadeiro impacto? Não serão estas as nossas verdadeiras reacções diante das realidades fundamentais?
Haverá que voltar à Galileia para, de novo, perguntar: “o que significa isto?” (Mc 1,27) ? De acordo com os exegetas, Mc 16,9-20 é um epílogo, canónico: o Evangelho não poderia terminar com “Por puro medo, nada disseram a ninguém”. De novo, a pergunta: o que significará isto?…
Para todos os leitores e amigos da Fundamentos, os desejos de um bom Tempo Pascal.
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Quando escutamos Bach
ou uma melodia gregoriana,
todas as faculdades da alma
se dispõem e se calam
para aprender,
cada uma a seu modo,
esta coisa perfeitamente bela.
Entre outras, a inteligência
não acha nada que afirmar
e que negar,
mas alimenta-se.
A fé não deveria ser uma adesão
desta espécie?
Degradam-se os mistérios da fé
fazendo deles
objecto de afirmação
ou de negação,
quando deveriam ser
objecto de contemplação.
Simone Weil, “À Porta do Farol faz Escuro”, Braga 1991
13.Março
…
“Às vezes, à noite, já tarde, na capela, olho para o crucifixo que está no meio do altar e digo comigo que Cristo na cruz é a glória de Deus. E surpreendo-me a tentar, de uma maneira muito imaginativa, vislumbrar uma luz resplandecente nesse corpo crucificado. Não, é preciso impor silêncio a todas essas imaginações. Não há outra glória a não ser o amor infinito, é essa a boa nova. Uma novidade tão assombrosa que nos obriga a transformar todas as ideias que tínhamos sobre Deus.”
François Varillon, A Páscoa de Jesus, Braga 2007
…
Outro poema de Nelly Sachs…
«Depressa se afasta a morte do olhar
Os elementos rebelam-se
Mas as esferas a desabrochar
Intrometem-se já com ressurreição
E o inefável cura a estrela doente – »
(trad. de Paulo Quintela)
…
O Silêncio
O Silêncio tomou conta
daquilo que não se ouvia,
mas trabalhava. Era força
interior. Atraía
quanto, divulgado à volta,
ia arremedando a vida.
Quase tudo andava fora
de si. No entanto, a intriga
sucumbia quando a cópia
do silêncio vinha acima
e, vindo, limava a história
do seu ruído. Introduzia
a adentração. O à volta,
pouco a pouco, também ia
adentrando-se. Só a concha
da aparência enchia a vista.
Fernando Echevarría, «Categorias e Outras Paisagens», Porto 2013
(…)
Se os profetas arrombassem
as portas da noite,
fazendo brilhar de ouro as órbitas de estrelas percorridas
nas palmas das mãos –
para os que há muito mergulharam no sono –
Se os Profetas arrombassem
as portas da noite
rasgando feridas co’as suas palavras
nos campos da habituação,
trazendo algo de muito remoto
para o jornaleiro
que há muito já não espera ao anoitecer –
Se os Profetas arrombassem
as portas da noite
e buscassem um ouvido como uma pátria –
Ouvido da Humanidade
fechado de ortigas,
ouvirias tu?
Se a voz dos Profetas
soprasse (…)
Ouvido da Humanidade
ocupado c’o mesquinho escutar,
ouvirias tu?
Se os Profetas
irrompessem co’as asas de tempestade da Eternidade
se te arrombassem os tímpanos co’as palavras:
Qual de vós quer fazer guerra contra um mistério
quem quer inventar a morte da estrela?
Se os Profetas se erguessem
na noite da Humanidade
como amantes que buscam o coração do amado,
Noite da Humanidade,
terias tu coração pra perdoar?
Nelly Sachs, «Poemas», trad. Paulo Quintela, Lisboa 1967
…
«Um tal Deus deve ser livre e libertador sem cair na veleidade e na arbitrariedade, porque está vinculado à sua própria índole. Será Pessoa sem ser um sujeito ou um indivíduo isolado, fechado em si, perfeito, porque é jogo e espaço inter-pessoal. Será transpessoal sem ser uma estrutura ou sociedade anónima, mas sim um espaço de reciprocidade. Será diálogo sem se fechar numa intimidade dual, porque é triádico, espacial.
Será um Eu, mas nunca sem um Tu a corresponder-lhe – e um Tu que é ele próprio um verdadeiro Eu. Será uma natureza comum sem se tornar sufocante ou anónimo, porque a sua natureza é um Nós primordial, uma comunhão originária, a força amorosa que é condição, acto e conteúdo da sua própria comunicação e partilha. Será um Ele distante, instância objectiva sem se tornar frio, separado, porque salvaguarda a liberdade do outro.
Será maternal sem se tornar asfixiante, porque é espaço de comunhão e de consciência; será Pai sem cair num paternalismo, porque comunica toda a sua natureza comum; será Filho sem qualquer dependência humilhante. Será Espírito sem cair num intelectualismo ou espiritualismo, porque é vínculo, elemento, dom, sigilo, força, o ambiente da vida em comunhão; Palavra não somente informativa, nem pura voz, mas síntese entre voz, presença, comunicação e verdade.
É mistério, campo elítico, jogo de amor sem cair no sentimentalismo, em projecções ou confusões, porque o Amor, n’Ele, significa sentido de proporções, união entre o amor (circular) de si e amor extático em direcção ao outro.»
Elmar Salmann, “Passi e Passagi nel Cristianesimo”, Torino 2001
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«Não somos pecadores somente porque comemos da árvore do conhecimento, mas também porque ainda não comemos da árvore da vida.» (Franz Kafka)
O Silêncio tomou conta
daquilo que não se ouvia,
mas trabalhava. Era força
interior. Atraía
quanto, divulgado à volta,
ia arremedando a vida.
Quase tudo andava fora
de si. No entanto, a intriga
sucumbia quando a cópia
do silêncio vinha acima
e, vindo, limava a história
do seu ruído. Introduzia
a adentração. O à volta,
pouco a pouco, também ia
adentrando-se. Só a concha
da aparência enchia a vista.
Fernando Echevarría, «Categorias e Outras Paisagens», Porto 2013
«Ele é belo no céu e belo na terra:
belo no seio materno e belo nas mãos de seus pais;
belo nos seus milagres e belo ao ser torturado;
belo quando convida à vida, e belo quando não lhe importa a morte;
belo quando entrega a sua vida, e belo ao retomá-la de novo;
belo na cruz; belo no sepulcro; belo no céu.»
Agostinho de Hipona, Comentário ao Salmo 44
(…)
«O crer de quem crê é tão incerto e vacilante, quase sempre à espera de se apagar, que mal consegue confortar-se, e aventura-se pouco; é como uma vela acesa no meio do vento e da chuva numa noite de inverno; não é, de modo nenhum, uma bandeira que se leva em glória; porque, apesar de não saber nada ou quase nada sobre Deus, sabe contudo que não Lhe agrada ser amado do modo como os exércitos amam a vitória...
Para um crente, não lhe agrada nada pensar a Deus como um pai… ou como um irmão ou um amigo; tais palavras deixam-no frio. Talvez no humor e no rir-se de si mesmo, o crente sente estremecer e flutuar algo que rapidamente desaparece, e que, talvez, fosse o próprio Deus. Àquele que crê, se pudesse dizer o que mais ama em Deus, seria talvez a sua extraordinária atenção ao mais pequeno pensamento…
O crente talvez nada saiba sobre Deus, mas sabe que, se Deus existe, nunca será, com absolutamente ninguém, distraído ou indiferente. E ao crente, lhe gostaria de ser, para com todas as pessoas a quem encontra, extremamente atento, tal como, talvez, Deus o seja.»
N. Ginzburg, “Mai devi domandarmi”, Torino 1991
A sério: ali pelos minutos 6 e 7 (e depois o 9), sobretudo.
Aponta para aquele momento: «Esta noite santa afugenta os crimes, lava as culpas; restitui a inocência aos pecadores, dá alegria aos tristes; derruba os poderosos, dissipa os ódios, estabelece a concórdia e a paz» (do precónio pascal).
A aguardar as próximas encomendas por correio
Que o cristiano ronaldo cite o Papa, muito bem, está no seu direito.
Agora, que sites e grupos de redes sociais de Igreja citem o ronaldo a citar o Papa, já me parece no mínimo estranho. Trata-se de alguém que ganha, ao que parece, 1,5 milhões de euros por mês a fazer algo de muito pouco importante para o desenvolvimento humano – um belo exemplo de uma sociedade global, no mínimo, sem grande sentido de prioridades.
Chegam esta semana à Fundamentos:
«A composição do Pater.
A invocação. A passagem pelo sobrenatural (os céus).
O eterno. A Trindade. O Verbo (o nome), o Espírito (o reino), o Pai (a vontade).
O tempo: presente (dá-nos hoje), passado (as dívidas, os devedores), futuro (na tentação).
Tudo está aqui contido.»
“Na terra negra da vida,
Pousio do desespero,
É que o Poeta semeia
Poemas de confiança.
O Poeta é uma criança
Que devaneia.
Mas todo o semeador
Semeia contra o presente.
Semeia como vidente
A seara do futuro,
Sem saber se o chão é duro
E lhe recebe a semente.”
Miguel Torga
“Não devemos desejar que haja pessoas na miséria para podermos exercer as obras de misericórdia. Dás pão ao faminto, mas melhor seria se não houvesse famintos e se não tivesses de dar pão a ninguém. Vestes o nu, mas oxalá que todo o mundo estivesse vestido e não tivesse esta necessidade! Enterras o morto, mas esperemos que chegue em breve uma vida na qual a morte não reine sobre ninguém! Fazes a paz entre os que litigam; oxalá chegue o dia em que reine a paz da Jerusalém eterna onde ninguém estará em desacordo!
Porque todos estes serviços respondem a determinadas necessidades. Que desapareça a miséria e desaparecerão também as obras de misericórdia. Desaparecerão as obras de misericórdia, mas extinguir-se-á também o ardor da caridade?
Quando amas a alguém que é feliz e que não necessita dos teus dons, o teu amor é mais autêntico, mais puro e muito mais sincero. Mas quando prestas algum serviço a alguém infeliz, pode acontecer que o motivo da tua boa obra seja quereres elevar-te sobre ele e que ele se sinta em dívida para contigo. Ele tinha necessidades e tu deste-lhe parte dos teus bens. E, ao dar-lhe, sentes-te superior a ele pelo simples facto de lhe teres dado algo.
Anseia que ele seja igual a ti para que ambos estejam sob Aquele a quem nada se pode dar.” (Comentário à Primeira Carta de S. João, VII, 7)
A câmara municipal de Sintra promove uma feira do livro em Queluz, convidando as editoras e livreiros a participarem… gratuitamente.
A câmara municipal de Braga também promove uma feira do livro, mas os editores e livreiros são convidados a pagar, por um espaço similar… 600% mais (entre seguros, iva, etc.)
Talvez a câmara de Braga esteja convencida de que há 600% mais leitores em Braga do que em Queluz.
“Que ninguém confie nos seus próprios olhos para ter uma ideia sobre quem é Deus. Ou terá a imagem de uma forma imensa, uma grandeza infinita que se espalha pelo espaço, como a luz que os nossos olhos vêem e que aumenta através do universo, ou o representará sob a figura de um ancião de aspecto venerável. Não penses nada disto.
Se quiseres ver a Deus, deverás pensar apenas no seguinte: “Deus é Amor”. Que aspecto tem o amor? Qual é a sua forma? Que estatura, que pés, que mãos tem? Ninguém o poderá dizer. E, no entanto, tem pés, porque levam à Igreja; e mãos, porque socorrem os pobres; e olhos, porque permitem-lhe preocupar-se com o pobre e o indigente. “Ditoso aquele que socorre o desvalido” (Sal 40,2). Tem ouvidos, dos quais o Senhor diz: “Quem tiver ouvidos para ouvir, que oiça” (Lc 8,8). Aquele que tiver amor tudo poderá ver na sua mente. O amor habitará nele e ele habitará em ti; permanece nele, e ele permanecerá em ti.”
La Transfigurazione della Materia
Textos de Massimo Camisasca, Jonah Lynch e Marko Rupnik. Marietti 2001
“De uma vez por todas te foi dado este breve preceito: Ama e faz o que quiseres. Se te calares, cala-te por amor; se falares, fala por amor; se corrigires, corrige por amor; se perdoares, perdoa por amor; que no fundo do teu coração esteja a raiz do amor, pois desta raiz só poderão sair coisas boas.” (VII,8)
De vez em quando temos estas boas surpresas.
«[No deserto] Jesus compreendeu três coisas: que não se deve tornar num absoluto as próprias necessidades – converter as pedras em pão – porque então o fluir da Fonte fica obstruído pelos curtos horizontes da autoreferência; entendeu que tampouco poderia utilizar o seu poder para dominar reinos ou submeter aos outros, porque então ficaria ele próprio também dominado; e não poderia situar-se no lugar mais alto e ter ideias segundo os seus desejos, porque a partir de cima as coisas e as pessoas vêm-se isolada e deformadamente.
Jesus descobrirá que o lugar do Filho não é o cume mais alto, mas o mais baixo, o ínfimo. Os restantes anos da sua vida serão para a procura deste último lugar, o único a partir do qual se pode fundar uma fraternidade na qual ninguém fique excluído ou exterminado.»
Javier Melloni, «El Cristo Interior», Barcelona 2010
«Aquele cuja enfermidade é o próprio Jesus jamais se curará.»
Ibn Arabi, filósofo muçulmano originário da Andaluzia (séc. XII)
«Dificilmente haverá outra pastoral mais necessária e ao mesmo tempo mais difícil do que esta: a pastoral da inteligência».
(D. António Ferreira Gomes, citado por Anselmo Borges no DN de hoje).
“Um dominicano contou-me que, caminhando pelos bairros pobres de Lima (Perú), se encontrou com dois miúdos que jogavam às “tabas” (pequenas pedras). O jogo consiste em lançar uma bola ao ar e, enquanto está no ar, apanhar o maior número possível de “tabas”, até se apanhar a bola antes que toque no chão.
Os dois rapazes riam-se e gozavam enquanto estavam a jogar; mas o insólito é que não tinham bola: apenas a imaginavam. E estavam a divertir-se bastante, apesar de não terem uma bola.
O meu amigo dominicano dizia-me: Foi realmente uma imagem de Deus que, entre alegria e risos, tudo criou a partir do nada…”
in Timothy Radcliffe, ‘Ser cristianos en el siglo XXI’, Santander 2013, pág. 80
A Fundamentos recebeu hoje a visita do vice-reitor da Universidade Católica. Parece que a antologia de poetas católicos portugueses está para breve, e terá como título «Verbo».
Uma boa notícia: actualmente esgotados, estarão disponíveis no final de Maio:
A preparar as próximas Jornadas Teológicas de Braga (que terão início amanhã), acaba de chegar à Fundamentos: «The Scent of Lemons», O Perfume dos Limões, de Jonah Lynch.
(Jonah Lynch é presbítero irlandês, actualmente a residir em Roma; estará em Braga na próxima sexta-feira).
«O desejo, orientado para Deus, é a única força capaz de fazer elevar a alma. Ou melhor, apenas Deus vem apoderar-se da alma e a eleva, mas apenas o desejo obriga Deus a descer. Ele não vem senão para os que lhe pedem que venha, e para aqueles que pedem frequentemente, prolongada, ardentemente, Ele não pode impedir-se de descer.»
Simone Weil, ‘Espera de Deus’, Lisboa 2009
– Sobre a Violência, Hannah Arendt
– Um Diário de Preces, Flannery O’ Connor
– As Nuvens e o Vaso Sagrado, Maria Filomena Molder
Brevemente na Fundamentos.
Tive o prazer de travar o seguinte diálogo:
«- Então o Rui tem uma editora?
– Bem, já editei um livro, mas acho que não se pode considerar uma editora.
– Mas então teve uma livraria?
– Bem, um dia usarei o passado para referir isso, sim, mas para agora é no presente.
– E como se chama?
– Fundamentos. Fica junto à Sé.
– Ah, não conheço.»
O diálogo foi travado num jantar com:
a) membros do grupo de teatro de São Petersburgo;
b) jogadores de futebol da selecção sub-19 espanhola, treinados por Lopetegui;
c) professores de emrc da arquidiocese de Braga.
Quem acertar receberá na próxima encomenda uma colecção de marcadores de livros em papel ivory 90g
De São João Evangelista
Ó doce eleito,
que num ardente ardor refulgiste,
raiz, que no esplendor do Pai
elucidaste a mística,
e entraste na câmara da castidade
na cidade de ouro, que o rei construiu,
pois o ceptro das nações recebeste,
vem em socorro dos peregrinos.
Tu fecundaste a chuva
com os teus predecessores,
que a transformaram
nos pigmentos verdes dos pintores.
Vem em socorro dos peregrinos.
Hildegarda de Bingen (séc. XII), «Flor Brilhante», Lisboa 2004
«Se os profetas irrompessem
pelas portas da noite,
com as suas palavras abrindo feridas
nas rotinas do nosso quotidiano
introduzindo algo bem distante
para o jornaleiro
que já há algum tempo que não espera
Se os profetas irrompessem
pelas portas da noite
à procura de um ouvido como morada –
Tu, ouvido humano,
obstruído por mato e por silvas,
ouvirias?
Se os profetas se erguessem
na noite da humanidade
como amantes que procuram o coração do amado,
noite da humanidade
terias um coração para entregar?»
Nelly Sachs (1891-1970, poeta judía alemã, prémio Nobel da Literatura em 1966)
in «Viaje a la Transparencia: Obra Poética Completa», Madrid 2009
Um texto marcante. Brevemente na Fundamentos:
«Não vos deixeis seduzir!
Sim, existe retorno.
O dia está às portas;
Já podeis sentir o vento da noite:
Chega outra manhã!
Não vos deixeis enganar!
Pouco é a vida.
Não a saboreeis com sorvos rápidos!
Não vos bastará
Quando tiverdes de a deixar!
Não vos deixeis esperançar em vão!
Não tendes farto tempo!
O mofo apanha os redimidos?
A vida está no máximo:
Já está preparada.
Não vos deixeis seduzir
Pela escravatura e a exploração!
Que vos pode infundir a angústia?
Não morreis como os animais:
E depois não vem o nada.»
Hans Küng, «Aquilo em que creio», Lisboa 2014 (invertendo um poema similar de Bertolt Brecht)
“A figura de Jesus é ícone da presença divina, espelho e palavra pura, sem pecado; mas não demoniza os impuros, não exclui, não pretende fundar uma igreja de eleitos, não despreza, talvez em nome de um Logos límpido e definitivo, as imagens, as parábolas, os discursos aproximativos. Antes, toma em si todas as formas de pecado, contesta e contextualiza todas as tentativas que pretendem representar uma instância de pureza (a lei, o culto, o ser hebreu ou romano), expõe-se ao reino do ambíguo, aos publicanos, às mulheres, aos samaritanos – sem qualquer excomunhão. Faz saltar o ideal de uma separação definitiva, aceita-o pelo contrário, e abraça o impuro, lendo-o e interpretando-o como o traço possível de uma pureza de fundo que se esconde em cada coração.
Assim, recompõe a vontade salvífica protológica e escatológica, transformando cada lugar e tempo num evento simbólico do Reino. A falsa oposição entre os pólos dissolve-se, vem fundida num processo parabólico, no qual todos aparecem diante do tribunal do Logos, que nos final de contas é um banquete, um lugar de elevação e de acolhimento, de trans-figuração. O horizonte do puro transforma-se na realidade de um amor vivido, no campo polar do reconhecer-se na história.”
Elmar Salmann, “Presenza di Spirito”, Assis 2011, pág. 163
A Crise da Igreja
Cadernos D. Quixote n. 13, Lisboa 1969, 163 págs.
A Diogneto (edição bilingue)
Colecção Philokalia (n.º 2), ed. Alcalá, Lisboa 2001, 213 págs.
… a Fundamentos estará encerrada sexta e sábado, dias 25 e 26 de Abril. Re-abre na próxima segunda-feira, 28, no horário normal.
«E os Presbíteros da Igreja,
de que hoje é questão,
hão-de saborear
(sabor da Sabedoria dada: é um dom do Espírito Santo)
a plena Liberdade de Filhos de Deus,
quando abrem a boca do que o Coração está cheio,
liberdade de circular na Igreja e no Mundo,
sem esquecer que quem tem a liberdade dos filhos de Deus
paga-a cara,
cara de Caridade que é o Amor que ama até ao fim,
até dar a vida por aqueles que ama.»
Leonel Oliveira, «Duma Só Coisa Quis Saber», Cosmorama Edições 2013
«Agora, a terra
torna-se cada vez mais horrenda:
o século está doente
as crianças não brincam mais
as raparigas já não têm
os olhos
que brilham à noite.
E o amor
já não é mais cantado
as esperanças já não têm voz.
Os mortos duplamente mortos
no frio destas liturgias
regressam cada qual a sua casa
cada vez mais sozinhos.
É tempo de ser pobre de novo
para re-encontrar o sabor do pão,
para viver à luz do dia
para serenos passarmos a noite
e cantarmos a sede da cerva.
E que as pessoas, as humildes pessoas
encontrem ainda quem as escute
e vejam as orações atendidas.
E nada mais peçam.»
[D.M. Turoldo, 1916-1992: poeta italiano, frade da Ordem dos Servos de Maria; o poema foi lido por Stella Morra no último encontro Fé e Arte, em Braga; esta é uma tentativa minha de tradução do italiano.]
Holiness, Speech and Silence
Nicholas Lash, Hampshire 2004
Pontualmente, assim de dois em dois meses, são publicados livros deste calibre em Portugal.
Parola Intorno ao Pozzo: Conversazioni sulla Fede
Stella Morra, San Paolo 2011
«Quero a fome de calar-me. O silêncio. Único
Recado que repito para que não me esqueça. Pedra
Que trago para sentar-me no banquete
A única glória do mundo – ouvir-te. Ver
Quando plantas a vinha, como abres
A fonte, o curso caudaloso
Da vergôntea – a sombra com que jorras do rochedo
Quero o jorro da escrita verdadeira, a dolorosa
Chaga do pastor
Que abriu o redil no próprio corpo e sai
Ao encontro da ovelha separada. Cerco
Os sentidos que dispersam o rebanho. Estendo as direcções, estudo-lhes
A flor – várias árvores cortadas
Continuam a altear os pássaros. Os caminhos
Seguem a linha do canivete nos troncos
As mãos acima da cabeça adornam
As águas nocturnas – pequenos
Nenúfares celestes. As estrelas como as pinhas fechadas
Caem – quero fechar-me e cair. O silêncio
Alveolar expira – e eu
Estendo-as sobre a mesa da aliança»
Daniel Faria, “Poesia”
Presenza di Spirito: Il Cristianesimo come stile di pensiero e di vita
Elmar Salmann, Cittadella Editrice 2011
«Conheci o casal luso-catalão, Inês Castel-Branco e Ignasi Moreta, no Parlamento Mundial das Religiões, celebrado em Barcelona no âmbito do Fórum Universal das Culturas, em 2004. Esse jovem casal, apaixonado pelo diálogo inter-humano, inter-religioso e intercultural, falou-me, então, do seu projecto familiar no campo da edição. Pretendia criar um território cultural de bons livros que rompessem com a banalidade e onde reinassem, em conexão, o rigor, as ideias e o prazer, um autêntico hedonismo de leitura pausada e saboreada. Sabor e sabedoria têm, aliás, uma etimologia comum. A leitura e a vida verdadeira não são conceitos antagónicos. São sinónimos. Peça a peça, a Fragmenta Editorial foi-se tornando uma referência do universo de pensamento crítico e reflexivo.» (Frei Bento Domingues, Público 06/04/2014).
As publicações Fragmenta Editorial [Fragmentos], na Fundamentos, em Braga.
“Penso que este será um passo semelhante ao do concílio, onde havia posições da Cúria Romana contra o ecumenismo e contra a liberdade religiosa; o concílio conservou a doutrina vinculativa – e também aqui eu desejo conservar a doutrina vinculativa – mas encontrou uma via para superar aquelas questões e encontrou uma via de saída. E é essa que também hoje devemos encontrar, hoje. E assim não se trata de uma novidade, mas de um renovamento da prática da Igreja, que é sempre necessário e possível”.
O discurso do cardeal Walter Kasper no consistório sobre a Família realizado em Fevereiro, com alguns apontamentos posteriores, foi recentemente publicado em Espanha. Chegará brevemente à Fundamentos.
«Interessa comprovar que as versões orientais e ocidentais não coincidem de todo. Nós escrevemos a nossa própria visão; durante esse tempo, eles escreveram a deles. É por isso que esta nova história das cruzadas não se parece com nenhuma outra.» (Alain Decaux)
“As Cruzadas vistas pelos Árabes”, por Amin Maalouf, Edições 70
Jonah Lynch é presbítero e teólogo irlandês. Depois de se ter formado em astrofísica em Montreal, iniciou os estudos em teologia, residindo actualmente em Roma. Estará presente, segundo o programa oficial, nas próximas Jornadas de Teologia de Braga, organizadas pela Associação de Estudantes, durante o mês de Maio.
Entre as suas obras, destaca-se «The Scent of Lemons» («O Perfume dos Limões»), uma reflexão sobre o lugar das novas tecnologias e redes sociais nas relações pessoais. Chegará brevemente à Fundamentos, e virá bem acompanhado.
Jose Antonio Pagola, «Jesus e o Dinheiro: Uma leitura profética da Crise»
(Um casal entra na livraria): – Tem Bíblias?
– Tenho sim.
– É para o nosso neto, tem 8 anos.
– Bom, tenho esta edição da Bíblia, com uma capa adaptada, e tenho alguns livros com histórias seleccionadas e ilustradas.
– Para que preço são?
– Bom, a Bíblia é para 12 euros, os livros depende, mas andam todos à volta deste preço.
(é aqui que recebo a seguinte resposta):
– «Ah, deixe estar, é um bocado caro: o nosso neto vive no Estoril e anda lá na catequese, e diz que já todos na sala dele têm a Bíblia. São diferentes de nós, aqui em Braga.»
Todo um estudo sociológico poderia ser feito a partir desta resposta.
Nicholas Lash é teólogo católico inglês, professor de teologia em Cambridge entre 1978 e 1999, e colaborador regular do jornal The Tablet. Na descrição que dele faz, Tomás Halík refere-o como «uma das pessoas mais eruditas, sensatas e perspicazes que eu conheço». As obras deste teólogo inglês procuram redescobrir o rosto da experiência cristã no contexto cultural em que vivemos.
Entre as últimas obras publicadas de Nicholas Lash, destacam-se «Holiness, Speech and Silence: Reflections on the question of God» e «Theology for Pilgrims». Chegarão brevemente à Fundamentos.
El Libro de las Obras Divinas
Hildegarda de Bingen, Herder 2009, 616 págs.
«Por isso é necessário e urgente que Deus saiba como é realmente o homem. Demo-nos por felizes por haver pessoas que Lho digam…’
A minha vizinha ainda não se sentia feliz e disse: ‘E afinal quem é que Lho diz?’ ‘Simplesmente as crianças e também, de vez em quando, pessoas que pintam, escrevem poemas, constroem…’
‘Constroem o quê, igrejas?’, perguntou a minha vizinha. ‘Sim, e ainda outras coisas, de uma maneira geral…’
A minha vizinha abanou lentamente a cabeça»…
Padre Américo: Páginas Escolhidas e Documentário Fotográfico
José da Cruz Santos (coord.), Modo de Ler 2008, 390 págs.
Estar na livraria a trabalhar no pc e receber a visita de Frei Bento Domingues é já suficientemente surpreendente.
Mas mais surpreendente ainda é que chegue e pergunte por um livro que não encontra em lado nenhum. E encontra-o aqui.
(Bento Domingues estará hoje à noite em Barcelos, no âmbito da Semana Bíblica. Há também aquela parte de ter sido Bento Domingues a mostrar a dois padres aqui da Arquidiocese onde fica a Fundamentos; mas isso já não é de surpreender).
«Quero a fome de calar-me. O silêncio. Único
Recado que repito para que não me esqueça. Pedra
Que trago para sentar-me no banquete
A única glória no mundo – ouvir-te. Ver
Quando plantas a vinha, como abres
A fonte, o curso caudaloso
Da vergôntea – a sombra com que jorras do rochedo
Quero o jorro da escrita verdadeira, a dolorosa
Chaga do pastor
Que abriu o redil no próprio corpo e sai
Ao encontro da ovelha separada»
[…]
Daniel Faria, ‘Poesia’, Famalicão 2003
Não sejamos avaros de Deus
O Avarento,
de tanto desejar o seu tesouro,
chega a privar-se dele.
Se pudermos fazer consistir
todo o nosso bem numa coisa
escondida na terra,
porque não em Deus?
Mas quando Deus
ficar cheio de significado
como tesouro para o avarento,
repetir com força
que Ele não existe.
Experimentar amá-l’O
embora não exista.
É Ele que, por meio da noite escura
se retira
a fim de não ser amado
como um tesouro
pelo avarento.
Simone Weil, ‘À Porta do Farol Faz Escuro’, Braga 1991
«Há uma palavra pessoa
Uma palavra pregada ao silêncio de dizer-se como nunca fora ouvida
E nela dizer-se posso existir.
Só posso viver cabendo nela
Habito-a
Como Jonas o grande peixe.»
in ‘Poesia’, 2003
«Creio que o mais egoísta dos homens é aquele que recusa dar aos outros a sua fragilidade e as limitações. Quem recusa aos outros a sua pequenez, comete um dos mais infelizes gestos de prepotência. E porque aí se rejeita, aos outros não poderá dar senão o sofrimento da perda. Querendo-se sem falha, será o mais incompleto dos seres.»
in ‘O Livro do Joaquim’, 2007
«Não acredito que cada um
tenha o seu lugar.
Acredito que cada um é um lugar
para os outros.»
Devido às novidades publicadas, esta semana a Fundamentos teve vendas superiores às habituais.
O curioso é o seguinte (assim por alto):
– nas encomendas por correio, penso que à volta de 75% das encomendas foram feitas por leigos, na maioria a sul do rio Douro;
– na livraria, em Braga, mais de 75% dos clientes foram clérigos ou teólogos: apenas 1/4 ou menos foram leigos.
A semana ainda não acabou, claro. E a Fundamentos é uma livraria muito pequena, também.
«Ouvindo o som do divino discurso proclamado
‘bem-aventurados os que choram agora
pois esses serão consolados’
muito desejamos chorar nossos pecados
mas os olhos de pedra
e a dureza de coração nos impedem
nem lacrimejar podemos
Por isso Senhor
tendo amolecido primeiro pela penitência
no nosso coração a fonte da sua dureza
derrama em seguida abundantemente
por dom da tua graça
torrentes de lágrimas em nossos olhos»
in ‘O Dom das Lágrimas: orações da antiga liturgia cristã’
trad. Joaquim Félix de Carvalho e José Tolentino Mendonça
Lisboa 2002
Última Ceia
Trouxe as palavras e colocou-as sobre a mesa.
Trouxe-as dentro das mãos fechadas (alguns disseram
que apenas escondia as feridas do silêncio).
Pousou-as na mesa e começou a abri-las devagar,
tão devagar como passa o tempo quando o tempo
não passa. E depois distribuiu-as pelos outros,
multiplicou-se em dedos, em palavras (alguém disse
que chegariam a todos, ultrapassariam os séculos e
teriam a duração do tempo quando o tempo perdura).
Ceou com todos pão que não levedara e vinho áspero
das videiras magras do monte que os ventos dizimavam.
Quando se ergueu, havia ainda palavras sobre a mesa,
coisas por dizer no resto do pão que alguém deixara,
feridas profundas nas mãos que fechou em silêncio e devagar.
Perto dali uma figueira florescia. À espera.
Maria do Rosário Pedreira, ‘Poesia Reunida’, Lisboa 2012
«Se pudesse arranjar o livro para a próxima semana, o professor está a exigi-lo»…
Um manual de Espanha, de teologia. Para os leitores «da última hora». E lá tem o livreiro de praticar o seu castelhano…
Mas gostava de ver as reacções se o mesmo pedido fosse feito numa livraria diocesana… e sem cobrar portes!
«Dá-me Senhor a mim pecador a confissão
em meu coração te seja agradável
produzir inefáveis gemidos
que alcancem teus ouvidos
Dá-me a intenção
acolhe inundando-a toda de bondade
e te deleite o pedido humilde
‘digno te pareça entrar em minha alma
como seu contínuo amor’
Dá-me Senhor as lágrimas de todo o afecto
e os vínculos internos dos pecados se dissolvam»
in ‘O Dom das Lágrimas: orações da antiga liturgia cristã’
trad. Joaquim Félix de Carvalho e José Tolentino Mendonça
Lisboa 2002
Num pequeno livro que chegou há algum tempo à Fundamentos, de Vittorio Peri, são recolhidas algumas citações que não resisto a colocar aqui. Deixo na versão castelhana, penso que é facilmente compreensível:
«Es un auténtico milagro que la Iglesia sobreviva a los millones de pésimas homilías de cada domingo» (Joseph Ratzinger).
«En la misa, la Iglesia ha colocado el Credo después de la homilía para invitarnos a creer, a pesar de lo que hemos oído» (Thomas Spidlik).
«La predicación es útil porque somete a dura prueba la fe de quienes escuchan» (Julien Green).
“Não te gerei, palavra,
Não te pisei no lagar
E o mosto que te ofereço
Nem é nosso sequer
Não te colhi, ó som,
Flor que a nossa mão sustém
E a música do ar segura
No timbre do ouvido
A quem pertences, vida,
Que pelas veias do braço
Ao mesmo porto sulca
O deslizar do sangue?
Vamos no barco do vengo
E pelo copo em que bebes
A nossa sede aumenta
A comunhão do verbo”
Mário Garcia sj, ‘Entre as Águas’, Braga 1994
‘Água incerta somos
na incompleta odisseia
ou no escasso júbilo.
Todo o cristal sombrio
é menor que a agonia.
Eloi, Eloi,
os homens separam-me dos homens
e Tu, elegia ininterrupta, estás só
como um cisne envenenado pelo sangue.’
Ana Marques Gastão, ‘O Silêncio de Deus’, em ‘Três Vezes Deus’, Lisboa 2001
Santidade da Igreja
Communio n.º4/2013
Do Grande Meio da Oração
Afonso de Ligório. Ed. Paulus, Lisboa 2014, 143 págs.
Edith Stein, ‘Escritos Espirituales’
BAC, Madrid 2010, 348 págs.
“Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser, vivo e total,
À agitação do mundo do irreal,
E calma subirei até às fontes.
Irei até às fontes onde mora
A plenitude, o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora,
E na face incompleta do amor.
Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz dessa promessa
Que às vezes como um voo me atravessa,
E nela cumprirei todo o meu ser.”
Sophia de Mello Breyner Andresen, in Poesia (orig.1944)
… fiquei também com curiosidade de ler este:
Sendino se Muere
Pablo d’Ors, Fragmenta Editorial, Barcelona 2012, 77 págs.
“diante da vida
só o amor reúne
só o amor relembra a fonte
só o desejo inflama
só o desejo reza
secaram-nos os olhos
incendiados de imagens
mirrou-se o coração
que o fantasma da Moral habita
imunizou-nos o rito
de tanto o repetirmos
introduz-nos o Amor que ressuscita
nos átrios da vida invisível da carne
em que se revela a vida do amor na morte
no rio da graça entremos
a lavar os sentimentos e os olhos
só na história e na carne Deus se encontra
só na carne viva se manifesta o espírito
toque-nos a palavra
que nos faz viver com os outros e morrer por Deus
diante da Vida morte, vivamos
ressuscitados, perdoados”
José Augusto Mourão, “O Nome e a Forma”, Lisboa 2011
«Ninguém me ensinou uma lágrima;
não senti pulsar na minha garganta
o rouxinol sangrento da luz.
Uma vez disse: ‘Vem, Deus, vem aos meus lábios,
vem aos meus olhos e à minha sede’. E Deus
só era verdade no silêncio.»
Antonio Gamoneda, in ‘Oração Fria’, Lisboa 2013
Motivos para Creer: Introducción a la fé de los cristianos
Rowan Williams, ed. Sígueme, Salamanca 2008, 192 págs.
«onde estás, Deus libertador,
que nos perguntam por ti e não te vemos?
Deus escondido, onde estás?
devemos procurar-te entre os destroços,
a cinza e as mãos cortadas como canas verdes,
ou à frente das batalhas,
entre os que caminham como o vento
e as folhas das plantas, sensíveis à luz,
entre os que vão de cabeça alta e regressam
da servidão do saco e do tijolo
os que acordados vêm,
os pés recentemente desatados,
a língua solta?
Deus escondido, onde moras?
devemos procurar-te entre os que fizeram o êxodo
e começaram a amar,
os que morrendo já a si ressuscitam
os que rompem as muralhas de pele e pedem água?
devemos procurar-te naqueles que sobem à montanha
para molhar as mãos de luz e transfigurar-se?
(na solidão dos montes apalparei a tua face?
na limpidez dos rios e nas palavras
com que fizeste o mundo verei a tua mão correndo?)
onde devemos esperar-te, Deus da surpresa
e como nós trânsfuga?
Deus dos que não têm voz nem barcos
para na albufeira molhar a alma
a crescer como a sombra dos pinheiros
anoitece a alma e o rio,
Deus gratuito, onde estás?
devemos procurar-te na poesia e no canto
no amor e na beleza,
na barraca e no lixo?
Onde apareces, Deus amigo dos pobres,
onde te acharemos, Deus libertador?»
José A. Mourão
“Não ela a Ti, mas tu tens a morte
embalando-a em teus braços. Entregaste-lhe,
por alimento, tua carne e, à tua manha
rendida, foi tua presa. Puseste-te
à porta do reino da Morte”
Miguel Unamuno, ‘El Cristo de Velázquez’ (1920),
in ‘Antologia Poética’ (Lisboa 2003)
Os Sacramentos da Igreja
Karl Rahner, ed. Paulistas, Lisboa 1992
«Quero a fome de calar-me. O silêncio. Único
Recado que repito para que me não esqueça. Pedra
Que trago para sentar-me no banquete
A única glória no mundo – ouvir-te. Ver
Quando plantas a vinha, como abres
A fonte, o curso caudaloso
Da vergôntea – a sombra com que jorras do rochedo
Quero o jorro da escrita verdadeira, a dolorosa
Chaga do pastor
Que abriu o redil no próprio corpo e sai
Ao encontro da ovelha separada. Cerco
Os sentidos que dispersam o rebanho. Estendo as direcções, estudo-lhes
A flor – várias árvores cortadas
Continuam a altear os pássaros. Os caminhos
Seguem a linha do canivete nos troncos
As mãos acima da cabeça adornam
As águas nocturnas – pequenos
Nenúfares celestes. As estrelas como as pinhas fechadas
Caem – quero fechar-me e cair. O silêncio
Alveolar expira – e eu
Estendo-as sobre a mesa da aliança»
Daniel Faria (1971-1999), ‘Poesia’, Lisboa 2012
livra-nos, Senhor, do terrorismo da fome,
da mecânica do instinto
que percorre o seu ciclo mortal
entre a voracidade, a intolerância e o massacre
livra-nos, Senhor, das inclinações extremistas
entre a devoção e o fanatismo,
livra-nos de um mundo onde se falasse uma só língua,
a voz do estômago ou da força bruta
livra-nos, Senhor, do cativeiro da acédia,
do ócio imóvel, da cupidez estúpida
e dá à nossa vida a frugalidade dos bens
que partilhemos na alegria e nos religuem,
a misericórdia que à justiça se adianta
que respiremos a festa da tua Páscoa e do teu riso,
Deus que esperamos dando-nos as mãos
na escuta dos sons de paz que te anunciam
como a aurora, o sol, o dia
José A. Mourão, O Nome e a Forma, Lisboa 2011
«Toma em tuas mãos, Senhor,
A nossa terra ardida.
Beija-a.
Sopra nela outra vez o teu alento,
A tua aragem,
E veremos nela outra vez impressa a tua imagem.
Tu sabes bem, Senhor, que somos frágeis,
Mas que contigo por perto
Seremos fortes e ágeis,
Capazes de abrir estradas no deserto,
A céu aberto.»
D. António Couto, Mensagem de Quaresma 2014:
http://tbcparoquia.blogspot.pt/2014/03/quaresma-2014-mensagem-de-d-antonio.html
«És penetrante, és resplandecente, Adam,
e, de invejoso, agita-se o olhar fascinante daquele que te odeia.
Com efeito, ao ver-te, o tirano afasta-se e grita:
‘Que vejo eu? Não o reconheço:
o lodo foi limpo,
o pó foi divinizado,
o pobre e o miserável foram chamados,
limpos e convidados a entrar;
a mesa é posta, têm a audácia
de comer e beber com o próprio Criador.
Quem o concedeu?
Sem dúvida, Aquele que é a sua Ressurreição’.
Glória a Ti, glória a Ti,
porque assim o desejaste!»
Romano o Melodita (séc. VI), Hino IX, ‘Aos Neófitos
Frei Bento Domingues op, «Um Mundo que falta fazer», Lisboa 2014.
(antologia de crónicas organizada por Maria Julieta Mendes Dias e António Marujo)
O homem que procura a Jesus, em Mc 10,17ss, não está em crise por ter uma lei que não consegue cumprir na sua vida; de facto, segundo o texto, ele ‘tem cumprido tudo desde a juventude’.
Ele procura a Jesus porque, apesar de cumprir a lei, sente um outro apelo a que não consegue corresponder.
cf. P. Beauchamp, ‘La Loi de Dieu’, Paris 1999
«O homem contemporâneo coloca-se a pergunta de saber se deve acreditar em deus; o homem bíblico pergunta-se antes ‘qual é o teu deus?»
P. Beauchamp, ‘La Loi de Dieu’, Paris 1999
JPS Hebrew-English Tanakh
Jewish Publications Society, Philadelphia 1999
The Origins of Jewish Mysticism
Peter Schäfer, Princeton University Press, 2011
La Loi de Dieu: D’une montagne à l’autre
Paul Beauchamp, ed. Seuil 1999
«Vimos a pedra vazia no interior da terra
A manhã. Nós não tocámos a luz
Inesperada. Pensámos
Que já o sono sendo eterno te afastara
E que farol que foste
Agora onda após onda, brasa extinta, naufragava
Nunca mais, pensámos, dormirias na proa
E quase desaprendêramos a guiar o barco
Em nossas viagens não amainaria mais, pensámos, e chegar a casa
Seria ver multiplicar-se
A nossa fome como o peixe e como o pão
Chegámos a terra porém e esperavas-nos
Os pés furados como conchas sobre a areia
E sentámo-nos em redor para comer»
Daniel Faria, «Poesia», Lisboa 2012
«Nós somos exterioridade, a interioridade é construída a partir de uma exterioridade essencial. Nós estamos numa relação com o mundo desde que abrimos os olhos. Já estamos realmente no mundo e nunca mais entramos nesse território íntimo, nessa espécie de paraíso imaginário a que chamamos alma.»
Eduardo Lourenço, ‘A História é a Suprema Ficção’, em entrevista a José Jorge Letria, Lisboa 2014
«Alistei-me no teu corpo
para te servir de mão.
Sou o farol do teu fogo,
o brilho do sol já posto
na guerra do coração.
Guerra de luz e de paz
que não se pode perder.
Uma vitória tão alta,
uma certeza imortal,
quando só por ti morrer.»
Mário Garcia sj, ‘O Princípio da Indiferença’, Braga 2002
“Se os profetas irrompessem
pelas portas da noite
com as suas palavras abrindo feridas
nas rotinas do nosso quotidiano (…)
Se os profetas irrompessem
pelas portas da noite
à procura de um ouvido como pátria
Ouvido humano
obstruído por mato e por silvas
será que saberias escutar?”
Nelly Sachs (trad. António Couto)
Uma antologia de poetas católicos do século XX, organizada por José Tolentino Mendonça e Pedro Mexia: brevemente.
Espera-se que chegue brevemente à Fundamentos.
São tantos os “obrigado” que um livreiro recebe, que vou fazer a proposta ao senhorio da loja de pagar a renda em “obrigados”.
Leitor: Sabe o que mais admiro na sua livraria?
Livreiro: Os quadros?
Leitor: Também. Mas sobretudo outra coisa: não só tem uma livraria deste género aberta há 2 anos, como tem uma livraria sobre estes temas sem precisar que nenhum padre lhe diga o que fazer. Mais estranho do que ser uma livraria do género é ser uma livraria de um leigo.
Livreiro: …
(o mais curioso é ter ficado com a sensação de isto me ter sido dito por um padre…)
“Durante a Shoá, o rabi Kalonymus Kalman Shapiro, rabi no gueto de Varsóvia, no meio do mais profundo desastre, ensinava que Deus é a única fonte da criação, mas que o próprio Deus não podia dirigir esta energia rebelde mediante a sua Palavra e o seu Alento sem que estes fossem acolhidos pelos homens no seu íntimo. Então, o rabi invocava a tristeza infinita de Deus, que chorava em segredo, longe de todas as suas criaturas, inclusive dos anjos, e chegava à conclusão de que aproximar-se d’Ele não consistia em descobrir a serenidade e o repouso, mas, pelo contrário, descobrir o dom das lágrimas.”
Catherine Chalier, “Tratado de las Lágrimas”, Salamanca 2007
Guimarães tem bastantes pontos de interesse; hoje, numa viagem de trabalho, aproveitei os minutos livres para visitar um desses pontos: a Livraria Pinto dos Santos.
Poderia fazer todos os elogios possíveis, que seriam merecidos; no entanto, faço apenas um: é uma livraria onde se pode ouvir o silêncio.
Quando forem a Guimarães, visitem-na: fica no centro, na rua de S. António. Ficarão a ganhar. Da minha parte, depois de sair devidamente “abastecido” com alguns títulos já esgotados, pensei: gostava um dia de ter uma livraria assim.
Estou à porta da livraria e eis que vejo duas bonitas jovens vestidas com o traje dos arautos do evangelho a virem na minha direcção.
“Queres ver que vou ter visitas?”, foi logo o meu pensamento inocente. Mas não, entraram na confeitaria ao lado. Não se pode estar sempre a sacrificar o corpo!
No meio das leituras encontramos, por assim dizer, autênticas pérolas:
«Fui à procura das raízes da Contemplação. Franqueei o umbral das Escrituras e descobri, nas suas primeiras páginas, o verbo ideîn, sete vezes dito do olhar de Deus sobre a Obra da Criação. Este olhar, que é o da contemplação, permite saborear o que se vê, como bom.
As primeiras referências ao olhar de Deus pedem-nos que o reconheçamos como matriz do olhar próprio do Homem, nessas mesmas páginas dito criado à sua imagem e semelhança.
Portanto, chamado a ser sujeito deste olhar e dele capaz. Sujeito capaz do olhar que contempla, que olha em profundidade e profundamente o Todo e se rende à sua bondade criada.»
José Nuno Silva, «A Contemplação: tempos e lugares», in Pastoral da Cultura do Porto, Ecce Homo, Porto 2011, pág. 91
Namorei muitas vezes a casa da esquerda, azul, pensando: «Ah, se tivesse dinheiro, que bela livraria ali fazia!» (quem não o pensa?)
Na casa da direita reside uma senhora de idade já bem avançada: está sempre à janela quando vou ao ecoponto, que fica em frente.
As 3 casas ficam a 50m da Fundamentos, numa rua perpendicular. São uma das finalistas do prémio internacional ArchDaily de Arquitectura, na categoria de habitação. (foto: João Morgado/P3)
P.S.: Cumprimentando o inquilino, perguntei-lhe se já muitas pessoas em Braga o felicitaram; disse-me que não, que apenas os amigos próximos, porque é sempre assim: as coisas boas são reconhecidas primeiro fora, e só depois chegam cá dentro. Claro.)
Um título importante, uma missão urgente. Da Diocese de Coimbra, espera-se que em breve na Fundamentos:
Tornar-se Pessoa
Carl Rogers, Padrões Culturais 2009, 470 págs.
O Sal da Terra
J. Ratzinger, P. Seewald. Multinova 1997 (2ª edição), 218 págs.
Iremos todos al Paraíso: El Juício Final en questión
Marie Balmary, Daniel Marguerat. Fragmenta 2o12
… mas pelo que vi até agora será difícil preenchê-la com obras de consulta, seja qual for a perspectiva. Como refere Daniel Serrão no prefácio ao livro de X. Lacroix, «a demagogia é, neste tema tão delicado, uma arma de dois gumes, que tantas vezes acaba por ferir os que a manejam». Esperemos que entretanto se gaste mais tempo na escrita, na leitura e na reflexão sobre o tema, e menos em debates, manifestações etc.
Ética Pessoal e Co-Adopção:
http://www.fundamentos.pt/category/temas/etica-pessoal-e-co-adopcao/
«Se são os editores que pagam parte considerável dos descontos oferecidos em certas livrarias, sendo essa a única forma de participarem em campanhas como as do Natal, e sabendo-se que a facturação de uma editora nesta época do ano tem um peso decisivo na facturação anual e que os livros que não estiverem em destaque têm poucas possibilidades de serem vistos e comprados, não é difícil perceber que os editores não têm como recusar-de a participar. Poderão fazê-lo, mas à custo de verem os livros relegados para zonas cinzentas das livrarias.
Impõe-se uma pergunta: não estarão os editores e as livrarias que oferecem descontos regulares e avultados a dar aos compradores de livros uma ideia errada sobre o seu real valor? Carlos da Veiga Ferreira, editor há quatro décadas, primeiro na Teorema, agora na Teodolito, é peremptório: “A prática de descontos selvagens viola a Lei do Preço Fixo, mas mesmo quando não o faz contribui para uma degradação de preço que acho suicidária da parte dos editores, até porque terá sobre o leitor o efeito perverso de o levar a pensar que os livros estão todos caríssimos, uma vez que quando saem custam 20 euros e de repente, sem que se perceba porquê, passam a custar 2 ou 3.”»
Sara Figueiredo Costa, na edição portuguesa do Le Monde Diplomatique de Janeiro. Retirado daqui:
“Livros: as regras do negócio”, no Le Monde Diplomatique
abre-nos, Deus, a porta
através das águas
para a grande viagem no deserto:
o combate com a morte no campo da vida,
a travessia dos limites, a nebulosa dos olhos
não se ensurdeça o nosso coração
porque a luta nocturna com o teu Nome
nos deixou no corpo marcas
dá-nos a graça de atravessar o riacho da vida
mesmo coxeando;
que caminhemos com a ligeireza
e a elegância do animal
que busca o esplendor do verdadeiro
nas coisas provisórias
e que desse combate com as imagens
nos aproximemos do horizonte da tua casa
donde vejamos as sementes do amor cobrindo a eira,
Deus que ligas o céu e a terra no teu Filho Jesus
e no Espírito
José A. Mourão, «O Nome e a Forma», Lisboa 2009
… e já tem data marcada: de 25 de Janeiro a 8 de Fevereiro.
Leio a K. Rahner, nestas palavras: «mas eu [Cristo] que tudo re-uno, que tudo unifico na tua vida, devo ser de um modo inteiramente distinto a força e o conteúdo, a bênção e a graça da tua oração». Continuo a pesquisar catálogos, a descobrir pérolas que me escaparam antes, e a pensar quatro vezes se as finanças me permitem investir nessas pérolas; respondo a mails nada simpáticos de editoras (imagino como seria se tivesse contas por pagar! mas nem todos têm direito às simpatias reservadas às superfícies); pelo meio, continua o Rahner: «Seremos sempre ouvidos: mas justamente porque pedimos em nome de Jesus. E esta petição é definitivamente a de que o Senhor cresça na nossa vida, que Deus plenifique a nossa existência, que venha, que junte o disperso na nossa vida, e que reúna as mil petições que nos compõem». Reorganizo aquela estante, movendo os livros para que vejam o seu retiro interrompido; lembro-me do iva, e penso: fica para amanhã. E volto a repetir o desejo de, como Llansol, fazer um curso de silêncio.
Ah, sim! E de vez em quando, também vendo um livro.
Deus, foste tu que nos puseste
nos caminhos do tempo
e disseste à nossa vida que a esperança se cumpre
atravessando a noite sem bagagens
como os Magos à procura do presépio,
assim caminhamos para ti;
que nos guie a estrela
para a prática das mãos, dos olhos e da esperança
e nos revele os perigos tortuosos;
que nos transporte a quadriga da justiça e da fortaleza
e que João Batista, estrela d’alva antes do dia que nasce,
nos indique o roteiro do teu Nome e do teu rosto
dá-nos também a companhia de Maria
que nos ajude a descortinar
as janelas do deserto e da alegria
santifica-nos, Deus, pelo fogo da tua consolação
e pelo fogo que acendeste entre todos nós aqui reunidos
na memória da tua Páscoa,
Deus do nosso berço e do nosso túmulo,
que vens no Pai, no Filho e no Espírito Santo
José Augusto Mourão, O Nome e a Forma, Lisboa 2009
nas tuas mãos a areia destes dias e o vento que os dispersa
Junto de ti, Senhor,
Ou de quem te figura ou desfigura,
É que o meu coração, aberto ao teu amor,
Se fecha numa íntima amargura!
Dentro deste castelo desmedido
Que proclama o teu nome e o teu poder,
É que, humano e vencido,
Me apetece negar e combater!
À sombra paternal do teu cajado,
É que revive em mim a ovelha tresmalhada
A pastar o pecado
Remoído nos sonhos da manada!
Sob o teu manto de oiro, que arrefece,
É que eu me sinto irmão
Da toupeira sem olhos, que se aquece
Enterrada no chão!
Miguel Torga, ‘A Criação do Mundo (Quarto Dia)’, Lisboa 2013 (Poema escrito durante uma visita à Basílica de S. Pedro, em Roma).
«A vida, devagar,
leva-nos tudo,
e deixa-nos na boca o gosto de ser mudo»
«Nos tempos de Coimbra, durante o curso, encarregara os caloiros da casa de trazerem das terras nativas quantos alfarrábios por lá encontrassem, que lhes pagava a vinte escudos o quilo. E numa dessas aquisições a peso vieram-me ter às mãos as obras completas da Doutora. Las Moradas, primeiro, e Castillo Interior, depois, transformaram-me num seu devoto leitor.
Ficara enredado nas malhas daquela personalidade ao mesmo tempo ingénua e subtil, maternal e combativa, que se exprimia numa linguagem chã, popular, cheia de graça e de finura, em que cada palavra é a sístole ou a diástole dum coração que nunca deixou de bater humanamente, apesar de abrasado de amor divino. Pela primeira vez encontrava unidos e harmonizados numa criatura o gosto activo dos frutos da terra e a ânsia contemplativa dos manás do céu»…
Miguel Torga, sobre Teresa de Ávila (in ‘A Criação do Mundo’, Quarto Dia, Lisboa 2013)
Não me perguntes, porque nada sei
Da vida,
Nem do amor,
Nem de Deus,
Nem da morte.
Vivo,
Amo,
Acredito sem crer,
E morro, antecipadamente
Ressuscitado.
O resto são palavras
Que decorei
De tanto as ouvir.
E a palavra
É o orgulho do silêncio envergonhado.
Num tempo de ponteiros, agendado,
Sem nada perguntar,
Vê, sem tempo, o que vês
Acontecer.
E na minha mudez
Aprende a adivinhar
O que de mim não possas entender.
Miguel Torga, ‘Poesia Completa’ (vol.II), Lisboa 2007
Yves Congar, «Vasto Mundo, nosso Mundo» (orig. «Vaste Monde, mon Paroisse»)
Livraria Morais Editora, Lisboa 1961
Do Livro dos Salmos
Mário Castrim, Campo das Letras 2007
(acaba de chegar: http://www.snpcultura.org/vol_salmos_mario_castrim.html)
‘Propuestas para la Reforma de la Curia Romana’
Concilium n.º 353 – Novembro 2013, ed. Verbo Divino
S. Agostinho, “O De Excidio Urbis e Outros sermões sobre a queda de Roma”
trad. Carlota Urbano, Imprensa da Universidade de Coimbra 2013
Padres Apologistas
(Carta a Diogneto, Aristides de Atenas, Taciano, o Sírio; Atenágoras de Atenas; Teófilo de Antioquia; Hérmias, o Filósofo)
Paulus Brasil, 2005
«Do mesmo modo, os diáconos sejam pessoas dignas, sem duplicidade, não inclinados ao excesso de vinho, nem ávidos de lucros desonestos. Guardem o mistério da fé numa consciência pura. Sejam também eles, primeiro, postos à prova e só depois, se forem irrepreensíveis, exerçam o diaconado. Do mesmo modo, as mulheres sejam dignas, não maldizentes, sóbrias, fiéis em tudo.» (1Timóteo 3,8-11)
«Alguns apontam que [Paulo] fala das mulheres em geral. Mas não pode ser isso. Porque quereria dizer algo sobre as mulheres em geral a meio da passagem? Parece antes que está a falar das mulheres que possuem o grau de diácono. ‘Os diáconos hão-de ser esposo de uma só mulher.’ Isto também se aplica às mulheres diáconos (diakonoi), já que é necessário, apropriado e correcto, especialmente na Igreja.»
O segundo parágrafo pertence a esse grande representante da teologia feminista que é… João Crisóstomo, bispo de Constantinopla no século IV (Homilía 11 sobre 1Timóteo 3,11, PG 62,553). A citação é retirada da obra de Kevin Madigan e Carolyn Osiek, ‘Mujeres ordenadas em la Iglesia primitiva’, Estella 2006 (sim, não basta mandar ‘bitaites’, há que fazer as leituras necessárias).
(Porque será que há livros que são editados em Portugal, e outros não?)
www.time.com
Informações e encomendas através dos canais habituais.
(Claro, garante-se o preço fixo, sem distinção de cartões, amizades dos leitores, alturas do mês ou do dia ou outro tipo de apartheid’s).
A 10 de Dezembro 1968, em Bangkok, morria Thomas Merton.
(Thomas Merton com Dalai Lama, pouco antes de rumar a Bangkok: para ver as obras disponíveis de Thomas Merton, ver aqui).
Olhava o mar
as ondas
o último esgar
dos afogados.
Dizia: não salvo.
Vejo e contemplo.
Como se fosse Deus.
António Rego Chaves, in ‘Três Vezes Deus’, Lisboa 2001
Como já tenho as orelhas quentes sobre esta coisa da Lei do Preço Fixo do Livro, e da “má vontade” dos pequenos livreiros em não darem descontos, fiz este vídeo a explicar essa lei (podia ter escrito um texto, mas ninguém leria). É necessário aumentar bem o volume: desculpem a má qualidade, mas a especialidade do livreiro são os livros, não os filmes.
Arno Guren, A Loucura da Normalidade, Assírio & Alvim 1995
Ontem tive um momento de Graça na Sé Catedral, com os Capella Duriensis e o seu concerto do Rito Bracarense. Uma coisa interessante: os funcionários da catedral e as senhoras de tacão-alto-a-chegarem-atrasadas-ou-a-sair-antes-do-final conseguiram fazer mais barulho do que o cão-guia do seminarista Tiago Varanda.
A tomada de consciência desta responsabilidade laical que nasce do Batismo e da Confirmação não se manifesta de igual modo em toda a parte; em alguns casos, porque não se formaram para assumir responsabilidades importantes, em outros por não encontrarem espaço nas suas Igrejas particulares para poderem exprimir-se e agir por causa de um excessivo clericalismo que os mantém à margem das decisões.
A Alegria do Evangelho, n.º 102
Del lado de los pobres. Teología de la Liberación
Gustavo Gutiérrez, Gerhard L. Müller, San Pablo 2013
Apócrifos Árabes Cristianos
org. Juan Pedro M. Sala, Trotta 2003
«Jesus deixou-nos dois mandamentos: o ‘fazei isto em memória de mim’ (que logo a Igreja Primitiva uniu ao Primeiro Dia) e o ‘amai-vos uns aos outros como eu vos amei’. Pois nós fomos capazes de inventar também a catequese de infância e adolescência, as comissões fabriqueiras, as reuniões de grupos, as confrarias, os retiros, as procissões, os centros sociais, as obras no tecto da igreja, os secretariados, etc., etc.»
«Entretanto, os excluídos continuam a esperar. Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe. A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espectáculo que não nos incomoda de forma alguma.»
A Alegria do Evangelho, n.º 54
«As enormes e rápidas mudanças culturais exigem que prestemos constante atenção ao tentar exprimir as verdades de sempre numa linguagem que permita reconhecer a sua permanente novidade; é que, no depósito da doutrina cristã, ‘uma coisa é a substância (…) e outra é a formulação que a reveste’ (João XXIII, Discurso na inauguração do Concílio Vaticano II). Por vezes, mesmo ouvindo uma linguagem totalmente ortodoxa, aquilo que os fiéis recebem, devido à linguagem que eles mesmos utilizam e compreendem, é algo que não corresponde ao verdadeiro Evangelho de Jesus Cristo. Com a santa intenção de lhes comunicar a verdade sobre Deus e o ser humano, em algumas ocasiões, damos-lhes um falso deus ou um ideal humano que não é verdadeiramente cristão. Deste modo, somos fiéis a uma formulação, mas não transmitimos a substância. Este é o risco mais grave.» ‘(A Alegria do Evangelho’, n.º 41)
«Considero oportuno sugerir algumas indicações para recordar a necessidade de dedicar um tempo privilegiado a este precioso minis´terio [da homilia]. Alguns párocos sustentam frequentemente que isto não é possível por causa de tantas incumbências que devem desempenhar; todavia, atrevo-me a pedir que todas as semanas se dedique a esta tarefa um tempo pessoal e comunitário suficientemente longo, mesmo que se tenha de dar menos tempo a outras tarefas também importantes.» (‘A Alegria do Evangelho’, n.145)
Don y Gratuidad en el pensamiento de Joseph Ratzinger: Claves para la teología moral
Carlos Sánchez de la Cruz, Perpetuo Socorro 2012
«Há uma religião de aparato, de fachada, que os novos media promovem, e há a religião da experiência. A experiência do rosto do outro permite ler o traço da proximidade de Deus. Jesus é um vivo que passa entre os vivos em que nos vamos tornando. O corpo torna-se colectivo. A partilha exige a prática da palavra, o apelo e o reenvio dos olhares, a multiplicidade dos sinais.»
José A. Mourão, Quem vigia o vento não semeia, Lisboa 2011
Temos o prazer de anunciar que, a partir do dia de hoje, se encontra disponível o catálogo da editora DIEL no nosso estabelecimento comercial. Mais informações sobre os livros do catálogo em breve.
A Amizade é o tema do n.º 3/2013 da revista Communio, que acaba de chegar à Fundamentos:
Alimentar o Corpo, Saciar a Alma: Ritmos alimentares dos monges de Tibães, século XVII
Anabela Ramos, Sara Claro. Ed. Afrontamento 2013. 258 págs. PVP: 32,00 euros
Iremos todos al Paraíso: El juicio final en cuestión
Marie Balmary, Daniel Marguerat. Ed. Fragmenta 2013
La Moral en el Cristianismo Antiguo (secs. I-VII)
Marciano Vidal, Perpétuo Socorro 2011
No Fim, o Início: breve tratado sobre a esperança
Jürgen Moltmann, Loyola 2007
El Comienzo de todas las cosas: Meditaciones sobre Génesis, capítulos 1-3
Romano Guardini, Desclée de Brouwer 2013
En el umbral: Muerte y Teología en perspectiva de mujeres
Mercedes Navarro (ed.), Descée de Brouwer 2006
50 Cartas a Dios
José I, González Faus (org.), PPC 2007 (5ª edição)
«Quem sabe quantas almas dependem da sua perseverança neste mosteiro? Talvez Deus tenha disposto que muitos no mundo só se salvarão através da sua fidelidade à sua vocação. Lembre-se dessas pessoas. Algumas você conhece, outras só as conhecerá no céu. Mas, de qualquer forma, você não veio aqui sozinho.»
Palavras de um monge trapista a Thomas Merton, quando este iniciou o noviciado; em termos de salvação não sei (Deus sabe!), mas é incalculável o número de pessoas que já encontraram inspiração nos escritos deste norte-americano… (in «A Montanha dos Sete Patamares»)
Símbolos Matrimoniales en la Biblia
Luis Alonso Schökel, Verbo Divino 1999
Creio no Espirito Santo (vol. III)
Yves Congar, Paulinas (Brasil) 2003
Recebo mais depressa na livraria as encomendas de livros de Espanha do que da Leya – eles têm uma coisa muito interessante, não se dão directamente com os pequenos livreiros, só através de representantes/
El Evangelio y las Cartas de Juan
Raymond Brown, Desclée de Brouwer 2010
Com a informatização da contabilidade, o que será destes blocos?
Após um processo de reestruturação, e a pedido de numerosos leitores, apresento o livro de Cheques-Presente Fundamentos. (sim, aquela coisa de oferecer um vale a alguém, que depois troca-o pelo livro que quiser… vocês já sabem como funciona).
Notei o movimento extraordinário na livraria porque tive dois cavalheiros com os respectivos filhos a meter conversa comigo para passar tempo, enquanto as esposas se encontravam na Sé.
Regra Pastoral
Gregório Magno, Paulus 2010
Portanto, um livro dedicado à história de uma diocese acaba de ser premiado. A Fundamentos põe-se em movimento para ter o livro disponível na livraria.
1) Telefono para o Paço, dizem-me para ligar para o autor, que é pároco
2) O Autor, muito simpático (sem ironia, a sério!) diz-me que não tem muitos exemplares, que a distribuição está a cargo da livraria da diocese.
3) Telefono para a livraria da diocese, que me diz que pode enviar os livros mas sem factura ou guia (o que é ilegal), dizendo-me para ligar… para o Paço
4) Ao ligar para o Paço, falo com o Vigário, que me atende e que re-encaminhará o meu pedido para o Ecónomo da diocese…
Tradição Apostólica
Hipólito de Roma (introd. M. Gibin), Vozes 2004
A Formação Espiritual: Seguindo os movimentos do Espírito
Henri Nouwen (org. M. Christensen e R. Laird), Vozes 2012
Da Oração
João Cassiano. Vozes 2008
A Montanha dos Sete Patamares
Thomas Merton, Vozes 2010
O Regresso do Filho Pródigo
Henri Nouwen, AO 2007
Ética da Esperança
Jürgen Moltmann, Vozes 2010
Cristo, o Comunicador Perfeito
Nuno Brás Martins, Didaskália 2000
Así empezó el Cristianismo
Rafael Aguirre, Verbo Divino 2012
… resta levantar os olhos para o céu e continuar a trabalhar/esperar…
«Deixa-me dizer-te que, assim “não há condições”! Cada dia, cada livro que me faz falta/jeito ter por perto.-.. e então estas re-descobertas dos clássicos… nem te conto…»
Fonte: um teólogo na sua condição crónica de leitor ávido e financeiramente «é melhor nem falar»
Karl Rahner, Homiliario Bíblico
Herder 1970
O Fulgor é Móvel: em torno da obra de Maria Gabriela Llansol
José Augusto Mourão, Roma Editora 2003
«O Espaço Urbano de Braga em meados do século XVIII»
Miguel Sopas de Melo Bandeira, Afrontamento 2000
Teología de la evangelización desde la Belleza
Card. Tomás Spidlík, Marko I. Rupnik. BAC 2013
«Mas se o pássaro fechar as suas asas,
rejeitando assim o vasto gesto da Cruz
então, também o vento rejeitará o pássaro:
o vento não levará o pássaro
sem que as suas asas confessem a Cruz»
Efrén o Sírio, Hinos sobre a Fé, n.º XVIII
Sta. Justa, Sta. Rufina e São Cucufate
Colecção Santos e Milagres na Idade Média em Portugal
ed. Traduvárius, Lisboa 2013, 93 págs. PVP: 19,00 euros
«Todos nós somos tocados pelo problema do mal. Como? À maneira dos discípulos? Dos vizinhos? Dos fariseus? Dos pais do cego? O mal desafiou-os. Aquela cegueira física podia-os ter feito crescer, podia ter sido uma ocasião de proximidade e de compaixão. Mas a abordagem deles foi: ou teórica, ‘De quem é a culpa?’; ou desvinculante, ‘Não tenho nada a ver com isso, a minha vida passa ao lado’; ou legalista, ‘Será que isto se enquadra na norma?’; ou ainda oportunista, ‘Só entro nisso desde que não me estrague a vida’.
Afinal, o mal não está na cegueira física. Está neste modo errado de olhar para as coisas. Jesus veio denunciar e desmontar o ciclo do mal, veio ajudar-nos a ver onde é que está a idolatria que leva depois à mentira e à violência. É uma abordagem completamente diferente. Só a atitude de Jesus permite colocar as coisas nos seus sítios, ver ‘quem é quem’, e assim abre caminho para uma recriação de nós e do mundo. O pecado e o mal, com Jesus, não têm a última palavra.»
Vasco P. Magalhães, «Entregar-se, Acolher e Comungar», Coimbra 2013, pág. 64 (comentando João 9,1-41)
E este é um deles. «A Banalidade do Mal» é uma expressão cunhada por Hannah Arendt no seu livro «Eichmann em Jerusalém» (Tenacitas, Coimbra 2003). Num excelente artigo, o jesuíta José I. G. Faus estabelece a relação desta expressão com o anonimato dos mercados. O breve artigo (em castelhano) pode ser lido neste link: http://blogs.periodistadigital.com/miradas-cristianas.php/2013/11/04/p340796#more340796
O fuso e trama [Santa Beatriz da Silva e a fundação da Ordem da Imaculada Conceição] . José Félix Duque | 2013 . História | Introdução de Vanda Anastácio. Capa de Ida Cruz sobre gravura do XVII, representando Santa Beatriz da Silva. | ISBN 978-989-8029-56-0 | 328 pp. | 14 x 21 cm | Preço: 18 €
«Jesus não teve um ensinamento sistemático. A sua linguagem está muito longe da casuística rabínica; é uma linguagem sugestiva, penetrante, poética, simples, com exemplos retirados da vida prática. A sua forma de ensinar está em íntima relação com a natureza do que ensina. Não se preocupou em explicar a Torah elaborando, como outros mestres, um corpo legislativo e casuístico próprio. Jesus falava com uma enorme autoridade de Deus e da sua proximidade aos seres humanos, procurando suscitar uma transformação nos seus ouvintes e despertar neles uma experiência. Há uma profundidade humana que só os poetas são capazes de expressar».
R. Aguirre, C. Bernabé, C. Gil, «Qué se sabe de… Jesús de Nazaret», Navarra 2011
Parece estranho mas é verdade: em Espanha, três professores de Teologia, da área de estudos bíblicos, juntaram-se e publicaram um livro com o título: «Qué se sabe de… Jesús de Nazaret». Não se percebe…
«Oxalá se gravasse em nós, de uma vez por todas, que a perfeição de Deus e, portanto, a nossa perfeição, não é a impecabilidade senão a misericórdia (…) O monge dificilmente se escandalizará diante de alguma miséria humana. Conhece bem, por si e pelos seus irmãos, a dimensão da fragilidade. Como também conhece a dimensão da beleza latente no coração humano.»
Carlos M. Antunes, «Atravessar a própria solidão», Lisboa 2011
R. Haughton, «A Libertação da Mulher», 166 págs | R. Antoncich, «Ensino Social da Igreja» (col. Teologia e Libertação), 286 págs. | Ivone Gebara, «Maria, Mãe de Deus e Mãe dos Pobres» (col. Teologia e Libertação), 208 págs. | Elizabeth Johnson, «Aquela que é», 387 págs. | E. Schussler Fiorenza, «Discipulado de Iguais», 404 págs.
…
Hoje, são relíquias, memórias de um tempo de mudança na teologia católica; de momento, 3 números, de uma colecção de 27 volumes – talvez um dia a colecção volte a ficar completa, numa livraria onde se retiram «coisas novas e coisas velhas».
Por Trás da Grade: Poesia Conventual Feminina em Portugal (séculos XVI-XVIII)
Isabel Morujão, INCM 2013
Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa
Adalberto Alves, INCM 2013
Problemas Mecánicos
Aristóteles, INCM 2013
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Cinquenta Intelectuales para una Conciencia Crítica
Juan José Tamayo, Fragmenta 2013
…
Solidão
Françoise Dolto, Martins Fontes 1998
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Cristologia. Ensayo Dogmatico sobre Jesus de Nazaret, el Mesias
Christian Duquoc, Salamanca 1992
…
É o título de um artigo de opinião de Eduardo Jorge Madureira no Diário do Minho de ontem, e que vale a pena ler. O artigo está disponibilizado no blog www.religionline.blogspot.com.
«Como notou em 2011 o Conselho de Estado francês, que o livro cita, “a fraude dos pobres é uma pobre fraude”. Nunca se pode dizer o mesmo das fraudes dos muito ricos. Aliás, as fraudes dos ricos nem sequer são, tantas vezes, consideradas fraudes porque são eles que ditam as leis que as legalizam.»
…
Não há becos sem saída e qualquer mal, mesmo um menor, é mal. Enquanto os gastos com PPP’s for de 700 milhões (números de Bagão Félix), não há moral que se aguente! A Fundamentos vai participar no protesto… mantendo-se aberta. Hoje em dia, no nosso país, manter uma livraria independente aberta é já um protesto contínuo. E assim continuará, palavra de livreiro, enquanto os leitores o quiserem.
…
«O incitamento à aceitação dos males menores é conscientemente usado para condicionar os responsáveis oficiais, bem como a população em geral, no sentido de fazer com que acabem por aceitar o mal enquanto tal. Para dar apenas um exemplo, entre muitos possíveis: o extermínio dos judeus foi precedido por uma série gradual de medidas anti-semitas, fazendo-se cada uma delas aceitar graças ao argumento que a recusa de cooperar na sua aplicação só poderia piorar as coisas – e assim foi, até se chegar a um estado de coisas em que nada de pior podia já acontecer.»
Hannah Arendt, Responsabilidade e Juízo, Lisboa 2007, pág. 32. Eu pessoalmente consigo identificar dois ou três exemplos mais contemporâneos…
…
Três editoras ligadas aos Jesuítas (Sal Terrae, Mensajero e Comillas) decidiram juntar a sua distribuição, ou seja: mantendo cada uma a sua especificidade de publicações, a distribuição dos livros é unificada. Ou seja, se eu antes pedia livros à Sal Terra, agora posso incluir livros da Mensajero e de Comillas. Ou seja, eles vendem mais, e poupa-se nos transportes.
As editoras espanholas têm ideias mesmo estranhas…
…
Leis da Separação
Rui Almeida, ed. Medula 2013, 47 págs.
…
… para quem desejar, já está disponível em livro a entrevista concedida por Francisco ao jesuíta António Spadaro, publicada em português na revista Brotéria – Cristianismo e Cultura. O livro custa 3,50 euros, tem 78 páginas e é uma edição conjunta AO/Paulus.
…
A pequena loja onde costumava comprar o café para a cafeteira lá de casa fechou; o blog da livraria Poesia Incompleta está reservado e as páginas de facebook desapareceram, o que talvez indique que a livraria (no Rio de Janeiro) fechou.
Sei que, quando a Fundamentos fechar, o livreiro e os livros ficarão em boas mãos; desejo o mesmo para a senhora da lojinha de café e para o Changuito da Poesia Incompleta.
…
Será apresentado no próximo dia 16 de Novembro o livro da monja catalã Teresa Forcades «A Teologia Feminista na História». A apresentação do livro será feita por José Tolentino Mendonça e terá lugar no III Colóquio Internacional de Teologias Feministas, em Lisboa. Como refere Tolentino Mendonça na apresentação do livro, «Talvez a história do Ocidente tivesse sido outra se fosse acolhido um modo simbólico, aberto e sensível de abordar o real, em vez das triunfantes gramáticas unívocas que sabemos. Repito: talvez a história tivesse sido outra. E é precisamente aqui que esta espantosa obra de Teresa Forcades i Vila, A teologia feminista na história que o leitor tem entre mãos, vem em nosso socorro.» O livro é uma edição Presente (que lançou os ‘Cd’s com Livro’ de Luis Miguel Cintra) e estará disponível em breve na Fundamentos.
…
«Não dediquemos tempo à cultura, dediquemos a cultura ao tempo».
Maria G. Llansol, Numerosas Linhas
…
:::
Gilgamesh, Poema Épico
Trad. Pedro Tamen, ed. Vega 2013 (5ª edição)
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Entra uma senhora, ainda nova, na livraria: pede-me uma concordância bíblica (que tenho disponível), pergunta-me qual a diferença entre textos apócrifos e textos deutero-canónicos, e mostra-me uma bíblia já com a capa muito gasta de ser usada (embora uma edição de 98), com o texto sublinhado e anotado por ela a lápis. Depois de comprar a concordância, despede-se a correr pois tem de ir buscar a filha à escola.
Ok, vocês já perceberam: trata-se de uma cristã da Igreja Evangélica, pertencente à comunidade de Braga…
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A Igreja que eu Amo
Bernhard Häring, ed. Figueirinhas, Porto 1992, 215 págs. PVP: 16,00 euros
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O Evangelho de Lucas é especialista em apresentar-nos maus exemplos – maus exemplos daqueles que normalmente vemos como os grupos-modelo de uma sociedade ‘respeitável’. Primeiro, é o samaritano – o estrangeiro, talvez o que chamaríamos hoje de imigrante ilegal – que é apresentado como modelo de fé por ter voltado a agradecer a sua cura de lepra – e não os ‘nacionais’, os de dentro do grupo, talvez aqueles a quem chamaríamos hoje de ‘crentes’.
Agora, é uma viúva, em contraposição a um juiz – apesar do que possamos pensar do sistema judicial, um juiz ainda constitui, no nosso inconsciente, a imagem de alguém respeitável, do garante da ordem e da lei. E depois será um cobrador de impostos no templo (perante um fariseu), serão as crianças (perante os adultos e discípulos respeitáveis), serão os camelos (a quem será mais fácil passar por uma agulha do que os ricos pelo Reino), será um cego, será Zaqueu…
E o mais curioso é que a parábola do Juiz e da Viúva não fala apenas da oração – da necessidade de orar muito, em contínuo, sem cessar. A parábola não fala apenas da oração, mas também da Justiça. A Viúva não pede qualquer coisa, pede que lhe seja feita Justiça, que lhe seja concedido o que é Justo, o que é devido, aquilo a que tem direito. O seu pedido não é um pedido qualquer – é um pedido de Justiça.
E, quando os Evangelhos nos querem apresentar uma imagem, um retrato daquilo que será a Justiça no Reino, falam-nos de uma Viúva, ou de um Cego, ou de um Coxo que clamam pela sua libertação. Ao invés, quando nos falam de castigo dos pecadores, de separação entre bons e maus, de conversão dos cobradores de impostos e das prostitutas – o que para nós seria a justiça – para os Evangelhos é fariseísmo.
Talvez a maioria de nós, quando lemos ou escutamos estas páginas, nos colocamos automaticamente na figura da Viúva – tal como ela, também nós temos de pedir, e pedir insistentemente, ainda que nos esqueçamos de pedir o mais importante – a Justiça. Mas, se formos honestos e lermos com atenção, a grande maioria de nós – pelo menos, no mundo ocidental – não está no papel da Viúva, mas sim no papel de Juiz.
De facto, para a maioria de nós, a justiça é algo que está nas nossas mãos tornar possível. Talvez, em alguns momentos, a nossa fragilidade nos coloque no lugar de não ter outro caminho senão pedir, e pedir insistentemente, que nos seja feita justiça. Mas, na grande maioria dos nossos dias, é nas nossas mãos que está a responsabilidade de fazer justiça – não a justiça que separa, condena e castiga (isso, segundo os Evangelhos, não é justiça mas fariseísmo) – mas, sim, a justiça que salva, a justiça que os frágeis pedem.
Na parábola, Jesus revela um optimismo interessante: acredita que, ao final de algum tempo, o juiz, ao menos para não ser incomodado, fará o que está ao seu alcance e aplicará a justiça devida à viúva. Nós, hoje, já nem por incómodo o fazemos – preferimos abafar os gritos de justiça com os sons dos telejornais, dos shoppings, dos espectáculos ou dos comentaristas. Assim já não precisamos de ouvir as contínuas pancadas à nossa porta.
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Foi graças aos esforços dos amigos Luís Guerra e António Carvalho que chegou um exemplar (já reservado) do livro «A Nuvem do não-saber» à Fundamentos. Trata-se de mais um clássico da literatura cristã (um Anónimo do séc. XIV) a ficar com a edição esgotada – esperemos que por pouco tempo.
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30 de Outubro, na Fundamentos
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Telefonam-me da editora, a Figueirinhas (Porto): «Olhe, recuperámos alguns exemplares do livro «A Igreja que eu Amo» de Bernhard Häring: você está interessado, não está?». Na próxima semana, mais uma pérola a chegar à Fundamentos.
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La Teologia después del Vaticano II: Diagnóstico y Propuestas
Andrés T. Queiruga, Herder 2013 (Ler Mais…)
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Gosto quando um presbítero visita a livraria e compra um livro que goste; mas gosto ainda mais quando o presbítero vem acompanhado por algum amigo leigo, que, sem qualquer indicação ou recomendação, também folheie livros e compre um livro que lhe agrade – é muito bom sinal.
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Os padres querem homilias já feitas; os catequistas querem catequeses com dinâmicas já feitas; os responsáveis de grupos de jovens querem esquemas de encontros com dinâmicas já feitos; as senhoras querem meditações do terço já feitas; os jovens querem audios de oração já feitos; os organizadores de encontros de pais e adultos querem esquemas e dinâmicas já feitas… De vez em quando aparece alguém a querer um livro… para ler e pensar.
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«O amor transforma o medo do outro em medo pelo outro, pela sua segurança a ponto de nos tornarmos inteiramente responsáveis pelo outro. É o amor que sustenta a esperança. O amor é o desejo que nos remete para a fonte de onde os rios correm e, como um corpo a caminho, nos reúne.»
José A. Mourão, «Quem Vigia o Vento não Semeia», 2011
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Já tive a oportunidade de ver o filme, e gostei: parece-me que retrata bem a polémica levantada pela filósofa judia com as suas crónicas sobre o julgamento de Eichmann em Jerusalém – defendendo que, não sendo inocente, Eichmann não foi mais do que uma peça num plano enorme (a «Solução Final») com o qual, salvo poucas excepções, todos colaboraram – incluíndo os próprios líderes das comunidades judaicas. Na próxima semana colocarei alguns excertos do livro que retratam precisamente esta história. (sobre o livro: http://www.fundamentos.pt/hannah-arendt-eichmann-em-jerusalem/)
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De um telefonema para a livraria resulta a encomenda de um livro que seguirá na próxima segunda-feira por correio.
Ora, a leitora telefonou-me do concelho de Almada, com presidência CDU desde… 1975. É pá, aquilo que eu disse há uns dias? Acontece mesmo!
Passado alguns minutos, tenho outra situação: um miúdo de 10 anos entra na livraria com a avó (que faz todos os adereços estéticos para parecer que tem 50 anos, além de trazer uma mala maior que o meu saco do portátil).
O miúdo vê livros, fala de alguns que gosta, mas a avó diz que são caros e saem. Passados 5 minutos, a avó volta a entrar a lamentar-se, porque o neto quer mesmo um «manual para acólitos» porque é acólito na paróquia. O livro custa 9,50 euros, a avó dá-me 8 euros e eu digo que só posso fazer por 9,00 euros. A avó paga a dizer «ele (o neto) dá-me cabo da mona» (a expressão foi esta) e «era preferível que te dedicasses ao futebol, o que nos fazes gastar em livros». Palavra de honra que isto aconteceu mesmo: a realidade supera a ficção.
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Jean Daniélou, Porquê a Igreja? Ed. Salesianas, 1972
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Brevemente na Fundamentos, da editora espanhola RioPiedras (http://www.riopiedras-ediciones.com/web/)
Lo que yo Creo
Teilhard de Chardin, Trotta 2005 (orig. 1969)
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«A livraria é uma extensão da tua casa: em vez de teres os livros num quarto, tens numa sala com a porta aberta. Nunca tiveste uma biblioteca tão grande!»
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El Apocalipsis: Comentario exegético-espiritual
Enzo Bianchi, Sígueme 2009
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«O princípio da igualdade perante a lei, que geralmente adoptamos também para os juízos morais, não é um absoluto. Todo o juízo está aberto ao perdão, todo o acto de julgar pode transformar-se em acto de perdão; julgar e perdoar são as duas faces da mesma moeda.
Mas essas duas faces obedecem a regras diferentes. A majestade da lei exige que sejamos iguais – que só os nossos actos contem, e não a pessoa que os cometeu. O acto de perdoar, pelo contrário, leva a pessoa em conta; nenhum perdão perdoa o assassínio ou o roubo, mas apenas o assassínio ou o ladrão. Perdoamos sempre alguém, e não alguma coisa – por isso se diz que só o amor pode perdoar.
Mas, com amor ou sem ele, perdoamos tendo em atenção a pessoa, e enquanto a justiça exige que todos sejam iguais, a clemência insiste na desigualdade – uma desigualdade que pressupõe que cada homem é, ou deveria ser, mais do que a soma de todos os seus actos.»
Hannah Arendt, Homens em Tempos Sombrios, Relógio d’Água 1991, pág. 289
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Tratados e Sermões
Mestre Eckhart, Paulinas 2009
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«A era moderna trouxe consigo a glorificação teórica do trabalho, e resultou na transformação efectiva de toda a sociedade numa sociedade operária. A sociedade que está para ser libertada dos grilhões do trabalho é uma sociedade de trabalhadores, uma sociedade que já não conhece essas actividades superiores e mais importantes em benefício das quais valeria a pena conquistar essa liberdade (…)
O que se nos depara, portanto, é a possibilidade de uma sociedade de trabalhadores sem trabalho, isto é, sem a única actividade que lhes resta. Certamente, nada poderia ser pior.»
Hannah Arendt, A Condição Humana, ed. Relógio D’Água. De referir que o livro foi escrito em 1958.
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O caso foi já entregue à Polícia Judiciária.
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O meu amigo Vitor Costeira é, além de realizador, um leitor da Fundamentos. Numa tarde passada aqui na livraria, por entre os livros, escolhemos algumas passagens e autores e colocamos em vídeo. Aqui fica:
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«Minha senhora, este Papa era um verdadeiro cristão. Como é que isso foi possível? Como pôde um verdadeiro cristão sentar-se no trono de S. Pedro? Pois não teve primeiro que ser nomeado bispo, e arcebispo, e cardeal, para finalmente ser eleito Papa? Ninguém se terá apercebido de quem ele era?» (Perguntas feitas por uma criada romana a Hannah Arendt em Junho de 1963, aquando da morte de João XXIII; in Hannah Arendt, ‘Homens em Tempos Sombrios’, Lisboa 1991).
Homens em Tempos Sombrios (1991, 316 págs.); Compreensão e Política e Outros Ensaios (2001, 353 págs.); A Condição Humana (2001, orig. 1958, 406 págs.); A Promessa da Política (2007, 169 págs.)
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Sei que não é costume revelar-se dados estatísticos, mas neste caso não resisto a fazê-lo: se não contarmos com as vendas feitas em encontros de formação e com os livros técnicos vendidos a estudantes de teologia, a Fundamentos tem mais encomendas por correio feitas por pessoas que vivem em câmaras actual ou tradicionalmente CDU do que vendas feitas na loja a pessoas de Braga.
Essencialmente, os livros pedidos vão numa linha de espiritualidade cristã, privilegiando autores como José Frazão Correia ou Vasco Pinto de Magalhães.
Com ano e meio de abertura, é altura de começar a fazer estas contas. Conclusões? Como os prognósticos – só no final do jogo.
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África Insubmissa: Cristianismo, Poder e Estado na sociedade pós-colonial.
Achille Mbembe, Edições Pedagogo 2013, 168 págs.
* Na estante no centro da livraria, parte lateral – brevemente aqui no site.
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Hoje, em Igreja, celebramos a memória de S. Francisco de Assis – e o seu nome (e projecto para a Igreja) ganhou uma nova actualidade. Algumas obras sobre a sua figura aqui:
Louvado sejas, meu Senhor,
Com todas as tuas criaturas,
Especialmente o senhor irmão Sol,
Que clareia o dia
E com sua luz nos alumia.
E ele é belo e radiante
Com grande esplendor:
De ti, Altíssimo, é a imagem.
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De la Necesidad y Don de la Oración
Karl Rahner (prólogo de José I. G. Faus)
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Uma excelente oportunidade: os Capella Duriensis, na Sé de Braga, este Sábado dia 5 de Outubro às 18h30. A não perder.
http://www.fundamentos.pt/capella-duriensis/
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A 1 de Outubro, memória de Teresa de Lisieux, ou Teresa do Menino Jesus.
«Lembra-te de que à beira da fonte
Um viajante cansado do caminho
Fez transbordar sobre a Samaritana
Os caudais de amor que encerrava o seu peito
Ah! conheço Aquele que pedia de beber
É o Dom de Deus, a fonte da glória,
É Ele, a Água que brota
É Ele que nos disse
‘Vinde a Mim’»
Obras de Teresa de Lisieux aqui:
(…)
Fontes
Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser, vivo e total,
À agitação do mundo do irreal,
E calma subirei até às fontes.
Irei até às fontes onde mora
A plenitude, o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora,
E na face incompleta do amor.
Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz dessa promessa
Que às vezes como um voo me atravessa,
E nela cumprirei todo o meu ser.
Sophia de Mello Breyner, Poesia, Lisboa 2013 (orig. 1944)
(…)
Balanço do dia eleitoral:
Hoje a Fundamentos faz um ano, seis meses e dezanove dias… e a sensação de, na viagem Porto-Lisboa, ter agora passado Coimbra.
(…)
Mais um Serviço Público prestado pela Faculdade de Teologia de Braga:
«A Faculdade de Teologia de Braga organiza duas conferências sobre dois santos místicos que foram declarados doutores da Igreja. No dia 17 de outubro, falar-se-á sobre «Hildegarda de Bingen: doutora de Bingen, Doutora da Igreja». Por sua vez, no dia 24 de outubro, a conferência será sobre «Juan de Ávila: sábio de ontem, saber de hoje». O conferencista será o Doutor Alexandre Duarte, especialista em mística cristã. As conferências decorrem no Auditório S. Tomás de Aquino, na Faculdade de Teologia de Braga (Rua de Santa Margarida), às 21h30, e têm entrada livre.»
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