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Nunca
dos nossos lábios aproximaste
o ouvido; nunca
ao nosso ouvido encostastes os lábios;
és o silêncio,
o duro espesso impenetrável
silêncio sem figura.
Escutamos, bebemos o silêncio
nas próprias mãos
e nada nos une
– nem sequer sabemos se tens nome.
Eugénio de Andrade, Ofício de Paciência (Lisboa 2018: 46).
Não é bastante
que eu reconheça a minha solidão
e a preze como o início dum caminho.
Não é bastante
ser livremente tudo quanto sei
e estar aberto a tudo o que serei.
Tudo o que fui e o que sou e o que serei
já são iguais
no tempo do meu todo ignorado.
Quero abrir o que as palavras não descrevem
por já não responder ao sim e ao não
do meu espelho conhecível.
Já não me basta apenas dar um nome
à morte que me cabe enquanto vivo
porque morrer é ter perdido a morte
para sempre
tornando sem sentido o sim e o não
com que me circundei e defini-me.
Conheço-me as fronteiras.
Quero o resto.
(Hélder Macedo, in do Corpo. Carmina 3, p. 127)
Santa Clara de Assis
Eis aquela que parou em frente
Das altas noites puras e suspensas
Eis aquela que soube na paisagem
Adivinhar a unidade prometida:
Coração atento ao rosto das imagens,
Face erguida,
Vontade transparente
Inteira onde os outros se dividem. (p.54)
—
Promessa
Na clara paisagem essencial e pobre
Viverei segundo a lei da liberdade
Segundo a lei da exacta eternidade. (p.46)
—
VIII
Não te chamo para te conhecer
Eu quero abrir os braços e sentir-te
Como a vela de um barco sente o vento
Não te chamo para te conhecer
Conheço tudo à força de não ser
Peço-te que venhas e me dês
Um pouco de ti mesmo onde eu habite (p. 28)
(Lisboa 2019)
Deito-me tarde
Espero por uma espécie de silêncio
Que nunca chega cedo
Espero a atenção a concentração da hora tardia
Ardente e nua
É então que os espelhos acendem o seu segundo brilho
É então que se vê o desenho do vazio
É então que se vê subitamente
A nossa própria mão poisada sobre a mesa
É então que se vê o passar do silêncio
Navegação antiquíssima e solene
Sophia de Mello Breyner, Geografia
«As palavras começam a vibrar. O vazio fala, o silêncio anima-se. Talvez esteja perto, no rumor da distância. Sinto o acolhimento do visível. Que se passa? Não ouço o deus da angústia e da miséria, mas a sua ausência tornou-se como que próxima e o seu silêncio é, talvez, uma manifestação de confiança, de acolhedora reserva. Todavia, o que escrevo não é ainda a dádiva da confidência pura. A minha linguagem não tem a transparência de um agradecimento silencioso. Escrevo no entanto porque escrever é a condição da experiência do encontro. Ele espera-me, talvez, na brancura que atravesso». (In Poesia Presente, p. 174).
Objects in the mirror are closer than they appear
Deus é curioso
por vezes aparece
na fulguração
mesmo junto a ti
outras desaparece
com o latir longínquo
dos cães abandonados (p.12)
(…)
Ad invitatorium
ó Deus
não fiques calado
não permaneças mudo
e inerte como estes que me rodeiam
escuta o meu grito
o jejum manto da minha alma
estas lágrimas portas de Sião
ali eu nasci
e sou cardo seco
que vou rodopiando (p.17)
Deus, pelo poder que exerce em nós,
é capaz de fazer mais, imensamente mais
do que possamos pedir ou imaginar.
Glória a Ele, na Igreja e em Cristo Jesus,
em todas as gerações, pelos séculos dos séculos. Amen.
Ef 3, 20-21
«Sabemos que o conhecemos por isto: se guardamos os seus mandamentos.
Quem diz: «Eu conheço-o», mas não guarda os seus mandamentos
é um mentiroso e a verdade não está nele;
ao passo que quem guarda a sua palavra,
nesse é que o amor de Deus é verdadeiramente perfeito;
por isto reconhecemos que estamos nele.
Quem diz que permanece em Deus também deve caminhar como Ele caminhou».
1João 2, 3-6
Guarda-nos, Senhor, como a menina dos olhos.
Caminhar como ele; poderemos falar desta maneira?
Será uma inapropriação da linguagem?
Somos nós, na história, no cosmos das decisões, quem caminhamos.
Sim, é em Jesus que Deus caminha. É ele o caminho.
E não só caminhar, como permanecer. Qual das duas atitudes a mais difícil?
Quando me pede a palavra que caminhe, e quando me pede que permaneça?
Guarda-nos, Senhor, como a menina dos olhos.
Terça-feira IV
«A palavra de Cristo habite em vós com toda a sua riqueza:
ensinai-vos e admoestai-vos uns aos outros com toda a sabedoria;
cantai a Deus, nos vossos corações, o vosso reconhecimento,
com salmos, hinos e cânticos inspirados».
Colossenses 3, 16
Dar-me-ás, Senhor, a alegria plena em tua presença.
E cantar no meu coração. Cantar o reconhecimento,
a humildade, a gratidão, a confiança, a súplica, o perdão.
Cantar-te, sempre. Deixar-me habitar pela tua palavra,
pela tua alegria, plena, sempre plena.
Pela tua presença…
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