Fundamentos

Deus ri

Para quem ainda não conhece, ora aqui está uma excelente sugestão: publicado em Portugal em Maio deste ano. James Martin é um jesuita norte-americano e, ao ler o livro, será um homem bem-disposto 😀 Ver Mais…

«Porque me interesso tanto pela alegria, o humor e o riso, na óptica espiritual? Porque escrevi um livro inteiro sobre o tema? Não foi só a reacção de todas aquelas pessoas às minhas palestras que me encorajou a meter ombros a esta tarefa. Deparei-me em diversas ocasiões com outro fenómeno, igualmente persuasivo: estas virtudes – sim, virtudes – estão, infelizmente, muitas vezes ausentes das instituições religiosas e das ideias que os bons crentes têm da religião.

Impõe-se um pouco de contexto. Sou católico e cristão desde semrpe, sou jesuita há mais de vinte anos, e padre há mais de dez. Por isso, passei muito tempo a viver e a trabalhar entre aqueles a quem se pode chamar “religiosos profissionais”. Especialmente ao longo das duas últimas décadas, conheci homens e mulheres que trabalham em todo o tipo de ambientes religiosos: em igrejas, sinagogas e mesquitas; casas de retiros, liceus e colégios católicos, colleges e universidades; presbitérios, casas paroquiais e chancelarias; programas paroquiais de catequese de adultos, encontros ecuménicos e reuniões religiosas de todos os tipos e feitios. E conheci, encontrei ou falei a milhares de religiosos de quase todas as proveniências. Ao longo desse tempo, conheci um número surpreendente de pessoas de grande consciência espiritual que são, numa palavra, soturnos.

Não que eu ache que os crentes devam ser patetas com um sorriso de orelha a orelha a todas as horas do dia. Não, a tristeza constitui uma reacção bem natural e humana à tragédia, e muitas situações da vida requerem, exigem mesmo, uma abordagem séria. Contudo, conheci tantos religiosos de rostos austeros, que me pergunto por que razão parecem estar convencidos de que a ausência de alegria é um elemento necessário às suas vidas espirituais (…)

Uma parte desta falta de alegria está provavelmente relacionada com tipos de personalidade; alguns de nós são mais bem-dispostos, optimistas e alegres. Todavia, depois de me deparar com o mesmo tipo de tristeza vezes sem conta, ao longo de vinte anos, numa grande variedade de contextos, cheguei à conclusão pouco científica (mas, parece-me, correcta) de que, subjacente a esta tristeza, existe uma falta de convicção quanto a esta verdade essencial: a fé conduz à alegria.

Além do mais, este espírito taciturno penetrou a cultura de demasiadas instituições religiosas. Isto é, ultrapassou o domínio estritamente pessoal, introduzindo-se no comunitário. Porque aconteceu isto? Algumas razões me ocorrem.

Em primeiro lugar, a visão que temos de Deus é muitas vezes a de um juíz severo. Discorrerei mais adiante sobre esse aspecto, mas bastará por agora dizer que, quando consideramos o espírito sombrio que impregna alguns grupos religiosos, não é de surpreender que um dos mais influentes sermões americanos seja o panfleto escrito no século XVIII por Jonathan Edwards ‘Pecadores nas Mãos de um Deus Irado’. Nele, Edwards vocifera: ‘Não falta a Deus poder para lançar os homens perversos para o inferno a qualquer momento’. Que rica imagem de Deus! Suficiente para apagar o sorriso do rosto de qualquer crente.

Em segundo lugar, e relacionado com a primeira razão, considera-se, por vezes, que o propósito da religião é uma sisudez que a tudo se sobrepõe. Devemos preocupar-nos com o nosso relacionamento com o Criador do Universo, com a nossa obrigação de não pecarmos, com a nossa adesão a um conjunto de regras religiosas ditadas por Deus e, dependendo da terminologia, com a nossa salvação pessoal, a qual se consegue, nas palavras de São Paulo, ‘com temor e tremor’ (Flp 2,12). Estas não são coisas que suscitem o riso, defendem alguns.

Em terceiro lugar, muitas organizações religiosas parecem, por vezes, preocupar-se mais com o pecado do que com a virtude. Alguns líderes religiosos poderão considerar ser sua missão apontar todas as formas possíveis de os seus seguidores falharem, em vez de lhes sugerirem como progredir. Assim, a torrente aparentemente interminável de ‘não farás’ sobrepõe-se aos ‘farás’.

Em quarto lugar, algumas organizações religiosas parecem recompensar os indivíduos mais sisudos; estes chegam ao topo por a sua atitude mais austera ser porventura encarada como demonstração da seriedade dos seus propósitos. Pegunto-me frequentemente se os seleccionados para serem ordenados padres serão escolhidos segundo o mesmo critério. Sempre que alguém me diz: ‘Bolas, nunca tinha encontrado um padre divertido’, arrepio-me um pouco. Será assim porque nunca conheceram muitos padres, ou porque a sua experiência com o clero os leva a fazer equivaler sacerdócio a melancolia?

Em quinto lugar, grande parte das coisas com que lidam diariamente padres, pastores, rabinos e irmãs é, de facto, triste – sofrimento, doença, morte, etc. – e atender aos que se encontram in extremis é considerado, naturalmente, mais urgente. Quando a escolha tem de se fazer entre celebrar em casa de paroquianos o nascimento de uma criança, ou visitar um paroquiano que morre numa cama de hospital, qual deverá preponderar? A opção pastoral não é dificil para o sacerdote cheio de trabalho, mas poderá significar que ele fique mais sobrecarregado no seu espírito do que animado no seu coração.

Em sexto lugar, e por último, existe um equivoco fundamental relativamente ao papel da leveza de espírito na religião –  e esse é o tema principal deste livro.»

James Martin, «Deus Ri: Alegria, Humor e Riso na Vida Espiritual», ed. Sinais de Fogo, Lisboa 2012, 286 págs. PVP: 16,90 euros

 

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@wpshower

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