No passado domingo foi publicada no DN uma interessante entrevista a Tolentino Mendonça, que versou essencialmente sobre o papel da Igreja neste contexto de crise e as relações entre a poesia e a fé cristã. Para quem quiser ler a entrevista na integra, pode consultar no site da Pastoral da Cultura:
http://www.snpcultura.org/discurso_cristao_tem_de_ser_culturalmente_impertinente.html
Pelo meio, podemos lemos uma critica que soa (a mim pessoalmente) como um desabafo porque não pertence ao tema da entrevista: «Culturalmente, no nosso país, o cristianismo ainda tem um estatuto de menoridade cultural incompreensível. Porque tem sido uma fonte de cultura e construído um património cultural que serve a todos. Uma coisa que me aflige é o facto de a teologia em Portugal não ter direitos de ciência e que uma pessoa de cultura média não leia um livro de teologia, nem conheça o pensamento teológico. Muitas vezes os próprios cristãos não são capazes de entrar num debate religioso. A iliteracia que caracteriza em grande medida o catolicismo português é um dos seus grandes problemas.»
Já noutros contextos Tolentino Mendonça chama a atenção para esta situação: «A normalidade portuguesa é, salvo excepções, remeter para a mais estrita clandestinidade cultural esse tipo de literatura. Podíamos pensar que a grande tarefa seria, por exemplo, colocar o Apologético de Tertuliano (esse grande autor, acreditem) numa das livrarias de maior circulação. Afinal é aí que a carga de trabalhos começa. Por uma razão insondável, há livreiros que decidiram juntar à religião uma área que lhes parece afim. Se não passa pela cabeça de ninguém compor uma secção com «Filosofia&Parapsicologia», «História&Estorinhas de Contar» ou «Biografias& Romance Policial», o mesmo não se diga de «Religião&Esoterismo» ou «Religião & Ciências Ocultas» (para citar a bizarra catalogação de duas grandes cadeias livreiras do nosso país). São Paulo, Agostinho de Hipona, Tomás de Aquino, Guardini, Teresa de Jesus, Inácio de Loyola, o Padre Chardin, Bonhoeffer, o Mestre Eckhart, quando existem, é a paredes meias com uma literatura delirante, que ocupa o triplo do espaço e exige uma respiga bibliófila aturada, a que a maioria não se dá. Mas a responsabilidade é de todos. É dos livreiros, mas é também do catolicismo português, acomodado numa suave iliteracia.» (in O Hipopótamo de Deus, Assírio&Alvim 2010)
Darmo-nos conta de uma situação não significa fazer juizos de valor ou de condenação das pessoas – trata-se simplesmente de darmo-nos conta. A iliteracidade, parece, não é apenas uma ferida do catolicismo mas de todo o âmbito português. E como âmbito que ultrapassa o meramente útil ou prático, estará sempre em crise (como o teatro que, segundo parece, está em crise desde os clássicos gregos). Mas penso (assumindo que sou directamente afectado por isso, não sendo um observador neutro), que a iliteracia é um fonte de empobrecimento das nossas comunidades cristãs. Não se trata de criar “cristãos intelectuais” que podem bem cair na tentação do elitismo ou fariseísmo, mas de todos, cada um segundo as suas possibilidades, os seus gostos, os seus ritmos, fazerem as suas próprias descobertas pessoais. Se não for Teresa de Ávila numa semana, pode perfeitamente ser Abbé Pierre num mês, ou Roger de Taizé num ano.
Mesmo assim, poderíamos fazer algumas coisas de modo diferente. Há três ou quatro pessoas que procuram um dado livro porque o seu pároco o leu, gostou e aconselhou – podem não ser as 400 pessoas que celebram a eucaristia dominical, mas é um excelente fermento. E há párocos que declaram não ter tempo nem para preparar a homilia de Domingo – e por isso acontece, como contou um amigo meu catequista, que na primeira comunhão do seu grupo de crianças ouviu expressões do presbítero que eram exactamente as mesmas que ouviu na sua primeira comunhão, quase trinta anos antes. E todos continuamos como “leigos na matéria” – algo de parecido a alguém que vai ao médico e (por um acaso de sorte) encontra um médico disposto a explicar-lhe as raízes da doença e o processo de cura numa linguagem acessível mas, mesmo assim, prefere não ouvir nem entender e esperar apenas pela receita.
Como andamos a viver o tempo que vivemos em Igreja?
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