Fundamentos

«Só o Pobre se faz Pão»

Só o Pobre se faz Pão

Só o Pobre se faz Pão:

Entrecruzar Jejum, Interioridade e Compaixão

Carlos Maria Antunes, Paulinas 2013

Apesar de ser uma prática usual e muito comentada no tempo da Quaresma, não é muito frequente encontrarmos um aprofundamento sobre o sentido do Jejum para os cristãos. É o que nos oferece, agora, o monge português Carlos Maria Antunes, no seu livro «Só o Pobre se faz Pão». Carlos M. Antunes foi pároco, na diocese de Santarém, durante década e meia, até ter sido admitido, como monge de votos temporários, no Mosteiro Cisterciense de Santa Maria de Sobrado, na Galiza. Tornou-se conhecido entre nós, a nível literário, através do livro «Atravessar a própria solidão» (ed. Paulinas, 2011).

Em «Só o Pobre se faz Pão», somos convidados a viver o a prática do jejum como abertura para quatro dimensões, ou experiências, profundamente humanas e cristãs (e que constituem os passos desta obra): o desejo, a procura, o dom, e a partilha. Sem procurar “justificar” uma prática («temos de fazer jejum porque…»), o autor procura “preencher” aquele espaço que ficou vazio entre a prática ritual, legal ou tradicional do jejum – que já não encontra sentido em grande parte das comunidades cristãs – e a vivência entendida, compreendida do jejum não como fim em si mesmo, mas como lugar de encontro com a verdade do Evangelho – «o jejum aponta para», constitui uma pista (mais uma) para a descoberta de um sentido cristão da vida humana, a partir do contexto de uma sociedade fortemente desenvolvida a nível económico mas, apesar disso, situada numa profunda crise geradora de injustiças – algo que o autor não cessa de abordar. Um excerto de uma obra que pode constituir uma boa proposta de reflexão, humana e cristã, para a Quaresma, vivida como um Caminho Pascal, de transformação pessoal, familiar e social.

«A multiplicidade, a dispersão e também as contradições dos nossos desejos fazem apelo a um processo de reconciliação. E quando se diz reconciliação, de nenhum modo se pretende dizer – nem faria sentido – marginalização de algum sentimento que nos habite. É importante afirmá-lo, porque existe uma tentação comum de separar bons e maus desejos.

Aliás, não o fazemos só com os nossos desejos. Gastamos uma boa parte da nossa energia a traçar fronteiras. Somos herdeiros de uma visão dualista do mundo e de nós próprios, geradora de tanto sofrimento. Quantos de nós não carregámos, ou ainda carregamos, com o peso de um sentimento ou de um desejo que consideramos como mau?

O moralismo é uma das piores ameaças a uma sã espiritualidade. Não deixa espaço à indagação, fecha todas as possibilidades de descoberta, destrói a autonomia e a consequente liberdade do sujeito, pois apresenta-se a priori como uma sentença definitiva, interiorizada acriticamente como reflexo de um determinado contexto cultural. Deveríamos ser mais perscrutadores atentos da vida do que catalogadores.

Somos movimento, somos fluir, somos alternância. Somos gente em acontecimento. Temos ainda para aprender uma suavidade no olhar sobre nós próprios e sobre os outros. Não terá sido esse o olhar de Jesus ante a mulher adúltera (Jo 8,3-11)? Ele baixa os olhos, inclina-se para o chão, sabe que somos pó da terra. Recusa-se a julgar e a condenar. «Quem estiver sem pecado que lhe atire a primeira pedra!» – diz, criando assim um espaço de autointerrogação, convidando a um peregrinar da lei para o coração, possibilitando que cada um se confronte com a sua própria contradição. Ninguém sai condenado; todos partem, incluindo a mulher, num processo de reconstrução, que só o amor tornou possível.» (pág. 26)

 «O jejum, no seu sentido mais amplo, mais do que uma prática pontual confinada a determinados dias – ainda que esta seja importante como marca que assinala um caminho -, constitui-se num convite a cultivar um estilo de vida sóbrio. Precisamos de integrar o gesto, que nalguns momentos é mais visível, numa prática que configure a vida. O jejum pode estar presente nas opções de fundo que orientam o nosso viver. Reconhecemos, com frequência, que nos deixamos seduzir por essa espiral da acumulação, que é tão característica dos nossos dias. O consumo sem critério exige de nós uma prática de resistência ativa. Esta afirmação não está inspirada por nenhum moralismo em relação à posse. O que está aqui em causa é uma conceção de vida. Se se defende o fomento de uma cultura de sobriedade é porque se entende que esta expande o horizonte da realização da vida humana, quer individual quer coletivamente. Urge que cada ser humano descubra dentro de si o seu melhor tesouro. A vida em comum não é viável sem o aprofundamento da interioridade. E isto é tão verdade para a pequena comunidade, que pode ser a nossa família, como para a grande comunidade universal» (pág. 113).

Índice

1. O teu rosto buscarei: uma geografia do desejo | 2. Jejuareis quando o esposo não estiver convosco | 3. Habitarei na tua casa: viver no âmbito do dom | 4. Tive fome e deste-me de comer: somos pão

126 págs. PVP: 9,90 euros

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