Fundamentos

Conversaciones con Jorge Bergoglio

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Estou a gostar de alguns episódios interessantes que Bergoglio narra da sua vida, na entrevista a S. Rubin e F. Ambrogetti: por exemplo, que trabalhou em part-time num laboratório farmacêutico entre os 13 e os 21 anos enquanto frequentava a Escola Industrial; escolheu ser jesuita pelo ‘carácter castrense’ desta companhia; quando se tornou jesuita sonhava em ser missionário no Japão, mas a operação aos pulmões foi o motivo para tal lhe ser recusado; a sua primeira tarefa pastoral como jesuita foi ser professor de psicologia e literatura num colégio: desse modo, convidou, entre outros, a José Luis Borges para dar conferências aos alunos. Quando confessa a jovens pais, pergunta-lhes se têm brincado com os filhos; e a leitura continua…

«É fundamental que os católicos – tanto os clérigos como os leigos – saiamos ao encontro das pessoas. Uma vez dizia-me um sacerdote muito sábio que estamos diante de uma situação totalmente oposta à da parábola do pastor, que tinha noventa e nova ovelhas no curral e foi procurar a ovelha perdida; nós temos uma no curral e noventa e nove que não vamos procurar.

Acredito sinceramente que a opção básica da Igreja, na actualidade, não é diminuir ou retirar perscrições ou tornar mais fácil isto ou aquilo, mas é sair para a rua a conhecer as pessoas, tratá-las pelo seu nome. E não apenas porque esta é a sua missão, (sair a anunciar o Evangelho), mas porque o não o fazer provoca danos. A uma Igreja que se limita a administrar o trabalho paroquial, que vive encerrada na sua comunidade, acontece-lhe o mesmo que a uma pessoa fechada: atrofia-se fisica e mentalmente. Ou se deteora como um quarto fechado, onde se expande o mofo e a humidade.

A uma Igreja auto-referencial acontece-lhe o mesmo que a uma pessoa auto-referencial: fica paranoica, autista. É certo que, se alguém sai para a rua, pode acontecer-lhe o que acontece a um qualquer filho de um vizinho: ter um acidente. Mas prefiro mil vezes uma Igreja acidentada a uma Igreja enferma. Por outras palavras, creio que uma Igreja que se reduz ao administrativo, a conservar o seu pequeno rebanho, é uma Igreja que, no futuro, ficará doente. O pastor que se encerra não é um autêntico pastor de ovelhas, mas um «penteador» de ovelhas, que passa o tempo a fazer-lhes caracóis, em vez de ir procurar as outras.» (pág. 77)

Continuo a gostar da leitura, sobretudo pelas respostas sem complexos. Perguntam os jornalistas: «É verdade que muitas pessoas dizem acreditar em Deus mas não acreditar nos padres». Responde J. Bergoglio: «E… está bem. Muitos dos padres não merecemos que creiam em nós.»

Descrevem os jornalistas S. Rubin e F. Ambrogetti: «O cardeal Bergoglio era sempre extremamente pontual na hora de nos receber na sede do arcebispado. Mas um dia demorou a vir ao nosso encontro. Pensamos que urgências próprias do seu cargo o atrasavam. Enquanto aguardávamos na recepção, vimo-lo passar com um termus e umas «facturas» (bolo típico argentino). Chamou-nos a atenção, porque não é costume haver um tempo entre audiências para lanchar. Minutos mais tarde, vimo-lo despedir-se de um casal e dos seus dois filhos, de condição humilde.

Depois demo-nos conta de que o termus – com água quente para o chá – e as «facturas» eram para essa família, oriunda de Chaco, que tinha conhecido acidentalmente o cardeal e que quis vir saudá-lo antes de fazer a viagem de regresso à sua provincia. Apesar do inesperado da visita, Bergoglio acolheu-os com delicadeza, interessou-se pela sua situação e despediu-se deles com um abraço afectuoso. «Perdoem-me a demora, mas a vinda desta família não estava prevista», desculpou-se, enquanto nos encaminhavamos para a sala de audiências.» (pág. 110)

Bom, e para terminar a partilha de excertos do livro «Conversaciones con Jorge Bergoglio», um texto de profissão de fé que o então bispo de Buenos Aires partilhou com os jornalistas, referindo que a elaborou num momento de forte intensidade.

«Quero acreditar em Deus Pai, que me ama como um filho, e em Jesus, o Senhor, que me infundiu o seu Espírito na minha vida para me fazer sorrir e levar-me assim ao reino eterno da vida.
Creio na minha história, que foi trespassada pelo olhar amoroso de Deus e, num dia de Primavera, 21 de Setembro, me saiu ao encontro para me convidar a segui-lo.
Creio na minha dor, infecunda pelo egoismo, em que me refugio.
Creio na mesquinhez da minha alma, que procura receber sem dar… sem dar.
Creio que os outros são bons, e que devo amá-los sem temor, e sem nunca os trair na busca de seguranças para mim.
Creio na vida religiosa.
Creio que desejo amar muito.
Creio na morte quotidiana, ardente, à qual eu fujo, mas que me sorri convidando-me a aceitá-la.
Creio na paciência de Deus, acolhedora, boa como uma noite de Verão.
Creio que o meu papá está no Céu junto do Senhor.
Creio que o padre Duarte também lá está intercedendo pelo meu sacerdócio.
Creio em Maria, a minha mãe, que me ama e nunca me deixará só.
E espero pela surpresa de cada dia na qual se manifestará o amor, a força, a traição e o pecado, que me acompanharão até ao encontro definitivo com esse rosto maravilhoso que não sei como é, a quem escapo continuamente, mas que quero conhecer e amar.
Amén.»

(pág. 129; o pe. Duarte foi o confessor de J. Bergoglio no dia 21 de Setembro).

Sergio Rubin, Francesca Ambrogetti, «Conversaciones con Jorge Bergoglio», Ediciones B | Madrid 2013 (orig. 2010)

(tradução dos excertos: Rui Vasconcelos)

One Comment

  1. […] em português do livro, da responsabilidade das Paulinas Editora. Excertos do livro podem ser lidos aqui e aqui. Interessante, sobretudo, um pequeno texto de um «credo» pessoal de Jorge Bergoglio, que […]

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