«Sejas tu quem fores, ao anoitecer sai do teu quarto, onde tudo sabes; na distância a tua casa é a última, sejas tu quem fores». De Rainer M. Rilke, poeta alemão (1875-1926), pela Relógio d’Água.
INTRÓITO
Sejas tu quem fores, ao anoitecer sai
do teu quarto, onde tudo sabes;
na distância a tua casa é a última,
sejas tu quem fores.
Com os teus olhos que, cansados, apenas
se libertam do desgastado umbral,
ergues muito lentamente uma árvore negra
que plantas diante do céu: esbelta e só.
E criaste o mundo. E é grande
e como uma palavra, que amadurece ainda no silêncio.
E como a tua vontade capta o seu sentido,
os teus olhos libertam-no ternamente.
(…)
ORAÇÃO
Noite, noite tranquila em que se entretecem
coisas muito brancas, coisas vermelhas, coloridas,
cores dispersas, agora erguidas
para a Escuridão Única do Único Silêncio, – une-me
a mim também com o que é múltiplo,
que alcanças e convences. Será que os meus sentidos
ainda brincam de mais com a luz?
Será que o meu rosto
continua a destacar-se perturbantemente
dos objectos? Julga pelas minhas mãos:
não repousam elas como uma ferramenta, como uma coisa?
Não estará o próprio anel simplesmente
na minha mão, não pousa a luz,
plenamente confiante, sobre elas, –
como se fossem caminhos que, iluminados,
se ramificam como na escuridão?…
Rainer M. Rilke, «O Livro das Imagens» (trad. de Maria João Costa Pereira). Ed. Relógio d’Água, Lisboa 2005, 287 págs.
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