Fundamentos

Abbé Pierre, Obrigado Senhor

Em 1995, a pedido de alguns amigos, Abbé Pierre publicou uma série de reflexões sobre o tema da oração. No final do livro (publicado em Portugal no ano seguinte), encontramos uma belíssima oração. Aqui fica:

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Obrigado Senhor

Abbé Pierre, ed. Gráfica de Coimbra 1996, 95 págs.

Diz o Autor: «Este texto tem exactamente quarenta anos. Nenhuma palavra foi modificada. Em muitas horas ele sustentou a minha fraqueza. Possa ele ser útil para muitos».

«Quando tu sofreres, ama mais forte.
Ama aqueles que choram mais lágrimas que tu,
que têm mais frio, mais fome
e estão mais sós consigo mesmos
e quase mais inexistentes,
mais ausentes em si mesmos.

Não há para ti outra alegria possível.
Ama-os muito para os levar a atingir
toda a plenitude de que são capazes.
Se eles te fizerem mal ama-os mais ainda.

Se a tua vocação – temporária? para sempre?
que podes tu saber sobre isso? –
é verdadeiramente a de entrar nesta loucura do Absoluto
não há outra solução para se ficar direito
e direito em todas as situações
senão este amor minúsculo
em todas as ofertas minúsculas
de todos os minúsculos instantes.

Este amor dos mais pequenos
dos mais insignificantes
dos mais miseráveis
dos mais sem títulos
porque, é nessa altura que o único título se manifesta
o absoluto que se esconde mas aparece

sob o mais desfeito
sob o mais sujo
sob o mais escarnecido
sob o último dos rostos
o rosto de um homem
imagem do Rosto Eterno Invisível.

Deixa gemer e vociferar e queixar-se o seu ser.
Nunca no teu íntimo uses de astúcia
nunca no teu íntimo te mintas iludindo-te
que o mal não é mal
que o mal é bem
ou que ele é neutro!

Toda a desordem, toda a desonestidade
é fraude, é torpeza estragando a Beleza.
Sim, Senhor, eu sou cobrade, e frágil, e inseguro.

Ah! estar enfim fora do círculo do tempo
onde se misturam tantas faltas ao menor bem.
Mas, Senhor, não é porque eu sou fraco
e miserável, e tão ávido pela necessidade de perdão,
não é porque preciso tanto do Teu perdão
que eu poderei dizer: eu fujo e eu abandono,

abandono os que choram
e que estãos sós com as suas dores.
Seria estúpido e mau juntar a estupidez à fraqueza.

Senhor, já que sou cobarde ah! é claro
é necessário que eu ame cem e mil vezes mais
e que eu sirva, e que eu ria
e que a cada um eu sorria
até onde for preciso por amor resmungar
e que esconda as minhas lágrimas
e a confusão dos meus remorsos
e o mal estar de tanta confusão
no mais profundo de mim.

Só a bondade, a viril e leal bondade
a prática e a real bondade
que faz que eu queira privar-me
para que outros sejam menos privados
lava e, como a neve, faz reviver imaculada a brancura.

Senhor, toma as nossas vidas.
Elas são tuas. Toma-as pelas mãos
que nos arranham e nos queimam
rostos obscuros a que nos dedicamos.
Toma as nossas vidas
e que delas, juntas à Tua nos teus pobres
tu faças brotar o clamor
e desmoronarem-se as falsas muralhas
atrás das quais, como num túmulo cercado,
tantos insensatos repudiados acreditaram proteger-se.

Devora o meu pecado repetido sete vezes
no fogo das Tuas mãos,
nas mãos devorantes dos Teus pobres que me apertam,
dos Teus ricos que, de repente,
temem, e acordam, e suplicam, e se agarram.

Senhor, toma as nossas vidas
e que elas ardam subitamente iluminando o escuro
fazendo reluzir a luz consumindo o mal
quebrando o orgulho dos sem piedade e a avareza
secando as lágrimas mas primeiramente
trespassando-as, transformando-as nas mil cores do arco-íris.

Senhor, toma as nossas vidas
e que, finalmente reconciliadas, elas cantem o Infinito
sob a alegria fremente da Tua eterna mão,
da Tua mão transbordante
da Tua mão devorante
da Tua mão inesgotável, incansável
da Tua vida, a única vida, a única vida possível

pois é a Única sem mal e sem fim
pois é a Única onde Tu estás totalmente.

É impossível perder-Te, meu Amor,
Único e finalmente Bastante.
Meu Amor de Toda a Vida.
Aleluia!»

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