Fundamentos

António Marujo, «Francisco, Pastor para uma Nova Época»

Hoje, uma entrevista com António Marujo, jornalista e co-autor do livro recentemente publicado «Francisco, Pastor para uma Nova Época», no qual traça sete desafios actuais à Igreja. O que segue é seu.

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Não será cedo para falarmos de uma Primavera na Igreja?

Não sinto isso. A Primavera começa com pequenos sinais – flores que despontam, cores que se diversificam, pássaros que regressam… – para depois explodir em todo o seu esplendor de aromas, cores e beleza. O que estamos a viver aponta para isso: são por enquanto sinais de algo mais forte. Mas são já tantos sinais que só com uma grande tempestade eles não seriam prenúncio de alguma coisa importante que iremos viver ainda mais profundamente.

Deixe-me apontar alguns desses sinais: a escolha do nome de Francisco por causa dos pobres; a sua apresentação apenas como “bispo de Roma” e a afirmação de que o Papa não deve ser centro de devoção, mas sim Jesus; a sua opção por viver numa casa no meio de muitas outras pessoas; a sua insistência na ideia de que a Igreja deve ir ao encontro das periferias existenciais; a criação de uma comissão com cardeais de todos os continentes para reformar a Cúria e de uma comissão de leigos para estudar a melhor gestão do Vaticano; o seu grito contra a “globalização da indiferença” como fez em Lampedusa na primeira viagem fora de Roma – são muito mais que prenúncios, são já uma afirmação vigorosa de que estamos a viver um tempo novo.

O seu contributo, «Sete Desafios à Igreja do Papa Francisco», opera de certo modo uma passagem da figura do Papa para a reflexão sobre a própria Igreja. Não será precisamente uma necessidade para os cristãos, repensarmos a Igreja como o fez o Vaticano II?

Sem dúvida. Uma das novidades do Concílio Vaticano II, no que ao entendimento da Igreja diz respeito, foi passar a ver a comunidade dos crentes como “povo de Deus”, em que todos os membros são iguais em dignidade, pelo baptismo. Já não se pode mais pensar numa Igreja em que o Papa ou os bispos mandam e os outros obedecem. Todos têm igual responsabilidade, como aliás o próprio Papa Francisco disse recentemente. Nesse sentido, hoje, como há 50 anos, e em cada momento da história, a Igreja deve repensar-se a sia mesma: nas opções que faz, na escuta dos sinais dos tempos, na atenção às pessoas de cada época histórica. Repensar a Igreja – no sentido da resposta que se dá ou não ao evangelho – deve ser uma atitude de cada crente e de cada tempo.

«Um Papado mais humano e dessacralizado (porque o Papa não é Deus) é o primeiro passo para que a Igreja se abra ao Espírito». Poderá ser essa a grande herança de Francisco?

Creio que pode ser já uma das grandes heranças que este pontificado irá deixar – mesmo se espero que deixe muitas outras, e ainda mais importantes que essa. Os dois acontecimentos históricos que vivemos em Fevereiro e Março – a renúncia de Bento XVI e a eleição do Papa Francisco – apontam exactamente para a colocação do papado no lugar que é o dele: um ministério de serviço do “servo dos servos de Deus” e não um lugar de supremacia sobre a Igreja. A experiência dos primeiros séculos de cristianismo era a de um bispo de Roma “primus inter pares”, ao serviço da colegialidade e da comunhão, é essa experiência que me parece que deve ser recuperada.

Não obstante a figura renovadora que poderemos encontrar em Francisco, parece-lhe que existem as bases e movimentos necessários para uma renovação em toda a Igreja (como existiam ao tempo do Vaticano II)?

Essa é, porventura, uma das mais importantes diferenças. Muitas pessoas voltaram a colocar-se, na Igreja, acantonados numa espécie de fortaleza que serve de refúgio ao bem, contra o mal que domina no mundo à volta. Mas, de facto, há muitos sinais da presença de Deus no mundo e a Igreja faz parte desse mundo, não pode ter essa atitude.

Por isso, seria importante dinamizar de novo processos de debate e reflexão no campo teológico, bíblico, pastoral, catequético ou litúrgico. É verdade que há muitas coisas interessantes a acontecer, mas muita gente boa ficou pelo caminho, cansada de lutar contra o imobilismo e a lentidão de tantas coisas. A teologia e a investigação bíblica têm dado passos de gigante, é importante que elas alarguem a reflexão ao conjunto do povo de Deus.

Apontou sete desafios à Igreja (a Palavra, a Conversão, o Acolhimento, a Periferia, a Renovação, a Estrutura, o Sentido). Aplicando-se todos à Igreja em Portugal, que desafio destaca mais no nosso caso?

Não sei se consigo isolar um tema. Mas parece-me que, no actual contexto de roubo da democracia e de destruição do Estado social a que estamos a ser sujeitos, os desafios de ir ao encontro de quem vive cada vez mais à margem, a atitude de acolhimento de quem pensa diferente e a busca de um sentido de vida talvez sejam os mais desafiadores. Sem esquecer a centralidade da Bíblia e a reforma das estruturas eclesiais para uma resposta mais eficaz aqueles desafios.

É interessante como, ao longo do seu artigo, podemos encontrar numerosas citações de livros publicados em português. Como vê as publicações de temática cristã e religiosa em Portugal, actualmente? (é uma pergunta pertinente para um livreiro)

Há, sem dúvida, um surto positivo de obras de grande qualidade. Ainda longe do que se passa em outros países – basta irmos aqui ao lado, a Espanha, para ver que se publica muito mais, mesmo em termos relativos, e de muito mais qualidade. É pena que a incultura do país dê tanto destaque a obras de qualidade duvidosa – esoterismo, piedade popular, etc. – e pouco a excelentes livros que vão sendo publicados no campo do ensaio ou da teologia. Felizmente, o panorama parece estar a melhorar, apesar dos tempos adversos. Oxalá essa mudança possa confirmar-se.

O que significa, como cristão, construir um projecto pessoal e profissional a tempo inteiro em torno à experiência religiosa (no seu caso como jornalista)? Não é raro em Portugal?

É raro, sim. Mas em outros países acontece com maior frequência. No meu caso, significa, por vezes, lutar, no campo do jornalismo, para afirmar a importância do fenómeno religioso na vida das sociedades; e lutar por afirmar, no meio religioso, a importância da linguagem mediática, da transparência e do gosto pelo debate público. Como se perceberá, estar no meio não é fácil. Mas tem sido muito compensador, apesar de haver sempre quem não entenda e esteja sobretudo disposto a apontar o dedo.

Veja também:

Michel Cool, António Marujo, «Francisco, Pastor para uma Nova Época», ed. Paulinas, Lisboa 2013 (excerto e índice)

 

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