Fundamentos

Hans Kung, Aquilo em que Creio

Acaba de chegar à Fundamentos, talvez uma das mais belas obras de Hans Kung, agora disponível em português. Aqui fica uma parte da Introdução, preparada pelo autor, e o índice da obra.

Aquilo em que creioAquilo em que Creio

Hans Kung. Temas e Debates 2014, 316 págs

Uma visão global do Mundo

“Com toda a sinceridade, em que acredita, pessoalmente?” Esta pergunta – ou outras análogas – foi-me feita inúmeras vezes durante a minha já longa vida de teólogo. Tento responder não com estereótipos apelativos, mas sim de uma forma pessoal e, ao mesmo tempo, ampla.

Escrevo para pessoas que se encontram num processo de procura. Para pessoas que não sabem que fazer com a fé tradicionalista de origem romana ou protestante, mas que também não estão contentes com a sua incredulidade ou as suas dúvidas de fé. Para pessoas que não anseiam por uma ‘espiritualidade do bem-estar’ barata nem por uma ‘ajuda espiritual’ a curto prazo. No entanto, também escrevo para todos aqueles que vivem a sua fé e, ademais, querem expandi-la. Para aqueles que, em vez de se limitarem a ‘crer’, desejam ‘saber’ e esperam, portanto, uma interpretação da fé que seja fundamentada filosófica, teológica, exegética e historicamente e tenha consequências práticas.

No decurso da minha longa vida, a minha conceção da fé foi-se tornando mais clara e ampla. Só disse, escrevi ou defendi aquilo em que creio. Durante muitas décadas, tive a possibilidade de estudar a Bíblia e a tradição, a filosofia e a teologia, e isso preencheu a minha vida. Os resultados estão refletidos nos meus livros. Um deles trata do ‘símbolo dos apóstolos’: uma confissão de fé que, todavia, só existe em forma definitiva desde o século V. Quem desejar saber mais sobre estes doze artigos – muito heterogéneos entre si e, amiúde, polémicos -, entendidos em consonância com as Escrituras e ao nível do nosso tempo, pode ler essa obra, ‘Credo’ (ed. Piaget), que para mim conserva toda a validade. No presente livro não desdigo nada do que escrevi nessa obra ou no volume ‘O Cristianismo: Essência e História’ (ed. Temas&Debates) (por exemplo, sobre os dogmas cristológicos).

Mas uma coisa é a ‘religião oficial’ de uma pessoa, a que a liga à sua comunidade religiosa, e outra, muito diferente, a sua profundamente pessoal religião do coração, que tem escrita ‘no coração’ e só em parte coincide com a sua ‘religião oficial’. Do ponto de vista psicológico, saber algo desta filosofia pessoal de vida, não fingida, é uma via regia, um caminho real, para compreender, em toda a sua profundidade, o indivíduo em questão (…)

Em que creio inclui consideravelmente mais do que uma confissão de fé em sentido tradicional. ‘Em que’ creio denota as convicções e atitudes fundamentais que foram e são importantes para mim, na vida, e que espero que possam ajudar também outros a encontrarem o seu caminho: uma ajuda para a orientação existencial e não apenas conselhos psicológico-pedagógicos para ‘se sentirem bem’ e ‘viverem a sua vida’. Mas também não uma prédica proferida com altivez nem um discurso edificante; não sou santo nem fanático. Antes uma reflexão – apoiada na experiência pessoal e seriamente informativa – sobre como viver com sentido (…)

Para manter unido – e estruturar – o grande número de perguntas e temas que surgem tenciono recorrer ao conceito policromo e abrangente de vida, tal como ocorre na evolução da vida em geral, no decurso de uma única vida humana, na minha biografia pessoal. É claro que é impossível abordar aqui todos os aspetos e argumentos da fé cristã. Aquilo para que gostaria de convidar o leitor, a leitora, não é um inócuo passeio teológico por terreno plano com excursões a diferentes províncias da vida. Trata-se antes – permitam-me a metáfora, a gráfica transposição – de uma fascinante escalada espiritual: montanha acima, num lento e paciente ritmo de alpinista, atravessando alguns desfiladeiros simples e outros mais perigosos; sem descansos em cabanas de montanha, infelizmente, mas tendo sempre presente, com clareza, o objetivo, que nos chama, fazendo sinais, do cume: uma visão global do mundo. Por isso, no primeiro capítulo, começo de uma forma totalmente simples, elementar e pessoal. Não desço do céu num helicóptero teológico, mas começo em baixo, no vale da vida diária, com a preparação: a primeira coisa de que uma pessoa, qualquer pessoa, precisa é a confiança na vida, uma confiança básica.”

«Não vos deixeis seduzir!
Sim, existe retorno.
O dia está às portas;
Já podeis sentir o vento da noite:
Chega outra manhã!

Não vos deixeis enganar!
Pouco é a vida.
Não a saboreeis com sorvos rápidos!
Não vos bastará
Quando tiverdes de a deixar!

Não vos deixeis esperançar em vão!
Não tendes farto tempo!
O mofo apanha os redimidos?
A vida está no máximo:
Já está preparada.

Não vos deixeis seduzir
Pela escravatura e a exploração!
Que vos pode infundir a angústia?
Não morreis como os animais:
E depois não vem o nada.»

Hans Kung, «Aquilo em que creio»,  (invertendo um poema similar de Bertolt Brecht)

Índice

1. Confiança na Vida | 2. Alegria de Viver | 3. Caminho de Vida | 4. O Sentido da Vida | 5. O Fundamento da Vida | 6. O Poder da Vida | 7. Modelo de Vida | 8. Sofrimento Vital | 9. A Arte de Viver | 10. A Visão da Vida | Leituras Suplementares

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Excerto: “Morreu demasiado novo”

«Tenho de pensar nisso repetidamente: Jesus de Nazaré era um homem bastante jovem quando – inspirado possivelmente por João, que exortava à penitência e batizava nas margens do Jordão – irrompeu intrépido na cena pública.

E a atividade deste Jesus durou, no máximo, três anos; segundo a cronologia do Evangelho de São João que, pelos vistos, utiliza fontes antigas, talvez apenas um ano. Enquanto Buda, K’ung Fu-tzu, Moisés e, em parte, também o profeta Maomé expiraram em paz numa idade avançada, ele morreu com pouco mais de trinta anos no pelourinho de uma cruz, uma forma de morte que os romanos só impunham aos não romanos e, sobretudo, aos rebeldes políticos e escravos, como o mais terrível castigo.

Mas, Jesus foi um rebelde político? Não se pode passar por alto que as palavras e atos de Jesus tinham de originar conflitos. Demasiado radical a sua crítica à religiosidade tradicional e ao exercício do poder por parte dos potentados. Demasiado suspeitas as suas carismáticas curas de doentes. Demasiado liberal a sua forma de proceder em relação à lei religiosa, ao sábado e aos preceitos de pureza e alimentação. Demasiado escandalosa a sua solidariedade com os desdenhados, os doentes, os pobres, os insignificantes, os ‘pobres diabos’, os desclassificados, as mulheres e as crianças. Demasiado pouco ‘politica e religiosamente correto’ o seu comportamento perante os heréticos, os cismáticos e os politicamente empenhados: na verdade, não sente pena do sumo sacerdote, mas sim do povo. Para desgosto dos piedosos enfatuados, mostra uma benevolência excessiva para com os desprezados, os transgressores da lei, os publicanos, os ‘pecadores’ e ‘pecadoras’.

2 Comments

  1. […] in Hans Küng, «Aquilo em que creio», Lisboa 2014  […]

  2. Fundamentos
    Abril 29, 2014

    Bravo

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