Fundamentos

Livro do Amigo e do Amado

Ramon Llull (1232-1315) pertence à tradição mística cristã da Idade Média, e é considerado um dos pais da língua literária catalã. Pertencente ao reino de Aragão, exerceu funções de tutor e administrador na corte de Jaime I. Em 1263, viveu um momento de conversão ou iluminação, levando-o a entrar na ordem terceira franciscana e a viver 9 anos como eremita, dedicando-se ao estudo do árabe e do latim, à arte e à literatura, e à oração. Em 1285 iniciou uma série de viagens ao Norte de África para missionar junto das populações islâmicas, morrendo em 1315.

O Livro do Amigo e do Amado representa o diálogo entre o monge Blanquerna e o seu Amado, a partir da experiência do Cântico dos Cânticos (talvez o livro bíblico mais comentado durante a Idade Média). São razões, ou maneiras, nas quais o amigo aprofunda a sua contemplação de Deus; o livro está dividido em 365 versos, conforme os dias do ano.

Partilho alguns destes versos: neles se pode reconhecer a busca pessoal e espiritual a que o amigo se lança do amado. A personagem de Ramon Llull estaria presente, por exemplo, na obra de Maria G. Llansol.

O livro foi em Portugal em 1990 pela editora Cotovia, do qual são retirados os seguintes excertos.


1. Perguntou o amigo ao seu amado se havia nele alguma coisa por amar, e o amado respondeu que aquilo que poderia multiplicar o amor do amigo era amar.

6. Experimentou o amado o seu amigo para ver se o amava perfeitamente; e perguntou-lhe que diferença havia entre a presença e a ausência do amado. Respondeu o amigo: ‘Como entre a ignorância e o esquecimento, o conhecimento e a recordação’.

23. Perguntaram ao amigo onde estava o seu amado. Respondeu: ‘Vede-o numa casa mais nobre do que todas as outras nobrezas criadas; vede-o nos meus amores, nos meus sofrimentos e nos meus choros’.

24. Perguntaram ao amigo: ‘Onde vais?’ ‘Venho do meu amado’. ‘De onde vens?’ ‘Vou ter com o meu amado’. ‘Quando voltarás?’ ‘Estarei com o meu amado’. ‘Quanto tempo estarás com o teu amado?’ ‘Tanto tempo quanto nele ficarem os meus pensamentos.’

42. Batia o amigo à porta do seu amado com um bater de amor e de esperança. Ouvia o amado o bater do seu amigo com humildade, piedade, paciência, caridade. Divindade e humanidade abriam as portas e entrava o amigo a ver o seu amado.

91. Ausentou-se o amado do seu amigo, e procurava o amigo o seu amado com a sua memória e o seu entendimento para que o pudesse amar. Encontrou o amigo o seu amado e perguntou-lhe onde tinha estado. Respondeu: ‘Na ausência da tua recordação e na ignorância da tua inteligência.’

137. Perguntaram ao amigo de que nascia o amor e de que vivia e por que morria. Respondeu o amigo que o amor nascia da recordação e vivia da inteligência e morria pelo esquecimento.

193. Esqueceu um dia o amigo o seu amado e lembrou-se no dia seguinte que o tinha esquecido. E naquele dia em que o amigo se lembrou que tinha esquecido o seu amado, apoderou-se do amigo a tristeza e a dor, e a glória e a bem-aventurança, por esquecimento e por lembrança.

244. Doente estava o amor. Curava-o o amigo com paciência, perseverança, obediência, esperança; curava-se o amor e adoecia o amigo. Sanava-o o amado dando-lhe lembrança das suas virtudes e das suas honras.

320. «Amado, que num nome és nomeado homem e Deus! Naquele nome, Jesus Cristo, te quer a minha vontade homem e Deus; e se tu, amado, tens tanto honrado o teu amigo sem méritos seus, nomeando e desejando o teu nome, porque não honras tantos homens ignorantes que conscientemente não têm sido tão culpados contra o teu nome, Jesus Cristo, como o tem sido o teu amigo?»

Deixe um comentário

@wpshower

Feeds

Susbscribe to our awesome Blog Feed or Comments Feed