Fundamentos

«Quem és tu, Senhor?

G56829

«Quem és Tu, Senhor?

Encontros e desencontros com o Homem que mudou a história»

Gianfranco Ravasi |

ed. Paulinas | Lisboa 2013 | 138 págs. | PVP: 12,00 euros

«Neste livro pretendemos mostrar – embora de modo simplificado e apenas emblemático – como, na história da cultura, Jesus tem sido um ‘sinal’ ineludível a ter em conta, a abraçar ou a rejeitar. O encontro com Ele, nunca nos pode deixar indiferentes: na relação com Ele está em jogo, com efeito, algo de significativo para a vida de cada um. Que significou esse encontro com quem se cruzou com Ele, durante a sua existência terrena ou, até, depois do acontecimento da Ressurreição? Em que sentido é que Ele foi um ‘sinal’ para quantos se encontraram com Ele? Para responder, parece-nos sugestivo partir do Cristo histórico, e de uma cena muito conhecida dos Evangelhos, em cujo centro se encontra uma pergunta decisiva.»

«Gostaríamos de delinear, de forma mais completa, o rosto de Cristo segundo Lucas, com base no qual também se deve modelar o rosto interior do discípulo. Fazemo-lo através de quatro componentes fundamentais, que ilustram a teologia de todo o terceiro Evangelho.

Comecemos pela palavra amor. Na sua obra latina Monarquia, Dante cunhou esta sugestiva definição de Lucas: escritor da mansidão, da misericórdia, do amor de Cristo. Durante todo o percurso da sua vida, Jesus nunca foi infiel à sua declaração programática, feita na sinagoga de Nazaré (Lc 4,18,19). A sua vinda ao mundo tem por objectivo «procurar e salvar os que estavam perdidos» (19,10), a ponto de ser ironicamente denominado «amigo de publicanos e de pecadores» (7,34).

A parábola do bom Samaritano e a trilogia de parábolas da misericórdia (a ovelha perdida, a dracma perdida e o filho pródigo) contidas no capítulo 15, a salvação oferecida ao corrupto funcionário Zaqueu (19,1-10), o «Sermão da Planície» (6,17-49), a escolha constante dos últimos, dos pobres, dos excluídos, o perdão final oferecido ao malfeitor arrependido e aos seus próprios carrascos (23,33-43), o uso frequente do vergo grego splanchnízomai, que evoca a ternura das entranhas maternais (1,78; 7,13; 10,33; 15,20), são outros tantos testemunhos da legitimidade da definição de Dante. Ainda mais, Jesus traça, assim, o rosto do seu discípulo e do próprio Deus: «Sede misericordiosos como Deus, vosso Pai, é misericordioso» (6,36; é curioso notar que Mateus tinha transcrito essa frase de outro modo: «Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai, que está nos Céus»: 5,48).

Um segundo traço relevante do rosto de Cristo é o da alegria (…) Repare-se que o evangelista utiliza uns 5 verbos diferentes para exprimir a alegria, em 27 passagens do seu Evangelho. Convidamos os leitores a fazer um exercício: abram o Evangelho no capítulo 15 de Lucas – no célebre «livrinho das parábolas da misericórdia», a que já nos referimos -, lendo de seguida os versículos 5,6,7,9,10,23,25 e 32. O resultado fala por si. Cristo veio para «evangelizar», ou seja, para comunicar um alegre anúncio de libertação. Os dois primeiros capítulos da sua obra estão entretecidos de jubilosos cânticos de louvor a Deus, e a última linha do Evangelho recorda-nos que os discípulos, depois da ascensão, «voltaram para Jerusalém com grande alegria. E estavam continuamente no templo a bendizer a Deus» (24,52-53). Além disso, também aqueles que são salvos por Jesus ficam cheios de alegria, como Zaqueu (19,6).

Terceira e fundamental característica do perfil de Cristo e do discípulo, segundo Lucas, é a da pobreza. Aquele «Felizes os pobres em espírito» de Mateus tornou-se, para Lucas, um direto «Felizes vós, os pobres», sem qualquer especificação espiritual. «Os pobres são evangelizados» (4,18), o pobre Lázaro (16,19-31) e a viúva que dá «tudo o que tinha para viver» (21,1-4) são admirados por Jesus.

Mamona, termo fenício-aramaico que indicava a riqueza (curiosamente tem a mesma raíz do verbo hebraico ‘mn, que significa crer), é um ídolo que cega. O jovem rico não pode seguir Cristo, se antes não repartir «tudo o que possui» pelos pobres (18,22). Condenados sem hesitação são aqueles cujo único objectivo na vida é multiplicar recursos e dinheiro (12,13-21). Os fariseus são amantes do dinheiro, que no fim se torna o seu verdadeiro deus (16,14). «Como é difícil para os que têm riquezas entrar no Reino de Deus! Sim, é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus» (18,24-25). É indispensável, portanto, fazer uma escolha quando se quer seguir Jesus (…)

Quarto e último traço do rosto espiritual de Cristo, segundo Lucas, é a oração: Jesus é, por excelência, o grande orante. Nas viragens decisivas da sua vida, retira-se, entrando em oração e em diálogo com o Pai. Fá-lo depois do Batismo no Jordão (3,21), no meio do entusiasmo primordial da multidão (5,16), antes da escolha dos doze Apóstolos (6,12), antes da profissão de fé de Pedro (9,18), durante a solene revelação da Transfiguração (9,28-29), antes de ensinar aos discípulos a oração distintiva do cristão, o «Pai-Nosso» (11,1). Jesus exorta-nos a «orar sempre, sem jamais desfalecer» (18,1). No limiar da sua morte, deparamos com a cena mais emblemática, a da oração no Horto das Oliveiras, ou Getsémani (22,39-46), cena que Lucas descreve de modo mais preciso, em relação aos outros evangelistas, intercalando-a com umas cinco menções à oração e emoldurando-a com a dupla frase de abertura e de encerramento: «Orai para não cairdes em tentação». (pág. 62ss)

«Jesus é um comunicador fascinante. Parte do mundo feito de terrenos áridos, de sementes e de semeadores, de plantas daninhas e de messes, de vinhas e de figueiras, de ovelhas e de pastores, de cachorrinhos, de pássaros, de lírios, de cardos, de plantas de mostarda, de peixes, de escorpiões, de serpentes, de abutres, de caruncho, de ventos, de siroco e de nortada, de relâmpagos faiscantes e de chuvas ou de canícula. Nos seus discursos há crianças que brincam nas praças, banquetes nupciais, construtores de casas e de torres, assalariados rurais e rendeiros, prostitutas e administradores corruptos, porteiros e servos que esperam, donas de casa e filhos difíceis, devedores e credores, ricos egoístas e pobres reduzidos à fome, magistrados indiferentes e viúvas indefesas, mas corajosas; há moedas pequenas e grandes, há tesouros escondidos e mesas com alimentos puros e impuros, segundo as regras kasher judaico, e outras coisas ainda (…)

Cristo restabelece uma comunicação pessoal, direta, aberta à relação, fundada sobre o «tu» do outro que se encontra com Ele. Não é um guru que profere oráculos, nem um intelectual sofisticado e desdenhoso, nem um mestre esotérico. Além disso, Jesus aprecia tudo o que é concreto e essencial. Não fala por cima do ombro aos seus interlocutores, não se perde em banalidades, mas aponta para as expectativas decisivas, para as perguntas inquietantes, para as verdades últimas que explicam o presente. Cristo é, além disso, um anunciador global: não é um intelectual que confia apenas na mente e nas letras, mas também não é apenas um agente sociopolítico. Palavras e sinais, mensagem e ação, espírito e corporeidade estão unidos entre si numa revelação integral que conhece a proximidade total do outro. Não é por acaso que os Evangelhos atribuem a Cristo todo o espectro dos verbos expressivos: dizer, falar, fazer, escutar, ver, ir, caminhar, sair, entrar, chorar, exultar, gritar, lamentar-se, confiar, e assim de seguida.

Por fim, a comunicação de Jesus está orientada para o envolvimento, é um apelo, uma interpelação que solicita a adesão e que pode gerar a rejeição. Essa comunicação, se for aceite, torna-se comunhão, intimidade, amizade profunda: ‘Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai’ (Jo 15,15). Estas componentes deveriam ser estruturais, inclusive para a comunicação eclesial. Na verdade, como escreve Cesare Bissoli, «Jesus não é um modelo a copiar, mas a recriar; mais do que imitação que copia servilmente, deve ser seguimento obediente’, capaz de incarnar nas novas e mudadas coordenadas histórico-culturais. Todavia, não é apenas o conteúdo, mas também o modo de comunicação de Cristo, que tem muito a dizer-nos ainda hoje» (pág. 112ss).

Índice

I. Encontros com o Crucificado Ressuscitado | 1. As ‘aparições’ da Páscoa | 2. Um encontro particular: Emaús | 3. O Cordeiro imolado | 4. Pôncio Pilatos, o governador | II. A Identidade de Jesus: um perfil a descobrir | 1. O retrato segundo Lucas | 2. A genealogia de Jesus | 3. A Instrução e a cultura de Jesus | 4. Jesus, um messias judeu? | 5. Solteiro por vocação: o celibato de Jesus | III. Anunciador da Alegria | 1. O perfil de um comunicador fascinante | 2. As parábolas | 3. Os milagres | 4. As controvérsias | 5. Uma comunicação subversiva? | 6. Palavras envolventes | IV: Uma Alegria a anunciar | 1. Um encontro a testemunhar visualmente | 2. Um dever de honestidade

Veja também:

Obras de Gianfranco Ravasi | Colecção ‘Poéticas do Viver Crente’ | Jesus Cristo | edições Paulinas

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