«À Rasca – Retrato de uma Geração», da jornalista de 24 anos Ana Filipa Pinto: através de 49 testemunhos, uma geração da qual também faço parte. Uma breve apresentação e excertos de um livro indispensável.
Joseph Cardijn, padre belga e fundador da JOC (Juventude Operária Católica), disse um dia: «Um jovem trabalhador vale mais do que todo o ouro do mundo». Esta frase, pronunciada em 1922, ganha hoje uma importância tão grande como grandes são as dificuldades da geração 18-39 anos em inserir-se no mercado de trabalho. Como referiu Armando Matteo em «A Primeira Geração Incrédula»:
«A sociedade atual está sujeita ao impulso de um juvenilismo despropositado, de um lugar simplesmente insuportável para a maior parte dos jovens: nela não podem escolher o trabalho que querem, porque as únicas regras aceites são as do mercado (ditadas pelos adultos); não podem constituir família, porque não há casas (a não ser para os adultos); não podem dar à luz mais do que um filho, porque não há creches nem políticas familiares suficientes; não podem aspirar a ocupar cargos de uma certa responsabilidade, porque só a morte pode arrancar os adultos das suas poltronas. Numa sociedade assim construída, o destino dos verdadeiros jovens parece estar marcado! Os adultos devoram tudo e não deixam nada aos jovens, com custos elevadíssimos para estes. Não deixam espaços de futuro possível.»
Esta realidade está extraordinariamente bem retratada no livro de Ana Filipa Pinto, «À Rasca – Retrato de uma Uma Geração» publicado em 2011. A autora, jornalista, nascida em 1989, pertence por inteiro a esta geração – que é a minha também – marcada por características absolutamente únicas na nossa história: é a geração mais bem formada a nível técnico e superior, com maior preparação para lidar com as tecnologias da comunicação, com os maiores índices de voluntariado e empreendorismo social… mas, com raras excepções que confirmam a regra, são a geração dos recibos verdes, dos contratos a termo, dos estágios não-remunerados e dos projectos adiados: família, casa, independência dos pais. Como refere a autora logo ao início do livro:
«Cresceram convencidos de que a crise «estava quase» a acabar. Estudaram, socializaram entre umas minis, uns quantos festivais e uns tantos cigarritos. Alguns tinham tempo. Tomaram decisões, desenharam planos, ainda que a lápis. Ponderaram vontades e riscos e alguns aprenderam a cozinhar uma «licenciatura à Bolonhesa». Outros só lhe sentiram o cheiro e houve quem optasse por um menu diferente. E os pais lá iam dizendo, em tom de final feliz: «Isto vai passar!». Estavam todos tão «concentradíssimos» nesta doce ilusão que parecem ter deixado o tempo passar demasiado depressa».
Ao longo do livro somos confrontados com 49 testemunhos que falam da experiência de viver na geração dos 18-39 anos: testemunhos que vão entre a licenciatura feita com o medo do futuro, pessoal que optou por não seguir estudos, estágios não-remunerados, trabalhos sucessivos fora da área de formação, a emigração (que constitui uma boa parte dos testemunhos), os casos de quem conseguiu – com muito esforço e alguma sorte à mistura – encontrar um caminho profissional com perspectivas de futuro, outros que acumulam part-times e bolsas de estudo para obter um ordenado um pouco acima do salário mínimo, e pelo meio alguns projectos empreendedores que teimam em sobre-viver.
Alguns identificam-se com o termo «rasca» – porque é o termo que melhor define a sua vida, sempre a contar os trocos que vêm dos part-times ou da generosidade dos pais que sabem como vai a situação; outros, pelo contrário, referem que o termo é depreciativo – e que o grande desafio desta geração é precisamente recuperar o amor-próprio e a confiança em si mesmos que o país, a política, as notícias e uma parte das gerações mais velhas parecem gostar de retirar aos mais novos.
Como refere Tiago Silva, um dos entrevistados: «Os jovens devem protestar e lutar, mas encarando-se a si próprios de forma positiva em que haja uma autovalorização. Somos a geração mais qualificada de sempre deste país, temos potencial, temos muito para dar, se as condições do país forem outras. Ainda é muito cedo para sucumbirmos à dança amorfa dos vencidos da vida.»
É neste sentido que o livro termina, abrindo para um debate e uma procura de ideias que permitam superar a crise que o país está a viver – sendo evidente que não é com cortes, resgates, etc. que o país encontrará a mudança e a renovação necessárias para recuperar a auto-estima e o lugar da nossa geração. Trata-se de reiventar – a nível pessoal e social – a democracia, os padrões de consumo, as relações económicas e laborais e, claro, o peso administrativo do Estado que tende a bloquear – e não a apoiar – os jovens que procuram(os) pôr as mãos ao trabalho. Os 49 testemunhos reunidos por Ana Filipa Pinto são um retrato – e uma pista – de uma geração que quer trabalhar pelo seu país.
Um livro indispensável para todos os que têm responsabilidades na pastoral universitária e juvenil.
Ana Filipa Pinto, «À Rasca – Retrato de uma Geração». Ed. Booket, Lisboa 2011, 170 págs. PVP: 7,95 euros
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