Fundamentos

Abel Varzim: Procissão dos Passos

«Procissão dos Passos» é a narrativa na primeira pessoa do processo de conversão vivido pelo p.Abel Varzim ao lidar com o mundo da prostituição do Bairro Alto. Um dos melhores livros de teologia já escritos.

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Procissão dos Passos: Uma vivência no Bairro Alto

Abel Varzim, Editorial Cáritas 2014, 108 págs. PVP: 15,00 euros

Ouvi pela primeira vez o nome de Abel Varzim e o seu livro ‘Procissão dos Passos’ no curso de teologia: na altura, antes do livro esgotar, era de leitura obrigatória na cadeira de pastoral (5º ano), com pergunta certa no exame. Para o professor, tratava-se ‘do melhor manual de pastoral já escrito’.

Foi por isso uma alegria tremenda quando recebi hoje, na livraria, a nova edição do ‘Procissão dos Passos: Uma vivência do Bairro Alto’. Abel Varzim (1902-1964) foi ordenado em 1925 na Arquidiocese de Braga, tendo estudado em Lovaina (Bélgica) onde conheceu Joseph Cardijn, fundador da JOC. Deputado entre 1938 e 1942, foi fundador de alguns organismos da Acção Católica, além de ter colaborado na fundação da Rádio Renascença. Ainda como deputado, fez criticas ao sistema social do regime de Salazar, o que valeu o seu afastamento de funções públicas e da Acção Católica. Em 1948, sob vigilância da PIDE, é nomeado pároco da Encarnação, em Lisboa, onde encontra a realidade da prostituição no Bairro Alto.

Todo o livro ‘Procissão dos Passos’ é o relato da sua progressiva conversão pastoral. No início, o pe. Abel Varzim entende as prostitutas simplesmente no âmbito do pecado social, que deve ser simplesmente destruído. Nesse sentido encomenda uma imagem de S. Maria Goretti para a paróquia, a fim de lançar uma cruzada contras as casas de prostituição e as mulheres que nelas vivem. Mas dois tipos de acontecimentos levam-no a mudar radicalmente a sua visão.

Primeiro, o pe. Abel Varzim começa a ser procurado pelas prostitutas para administrar os sacramentos a mulheres já moribundas, ainda que na casa dos 20 anos, e para lhes obter um funeral digno. Vendo as condições em que tais mulheres vivem, o pe. Abel Varzim re-descobre as constantes passagens dos Evangelhos nas quais Jesus se encontra com prostitutas e pecadores públicos.

Num dos funerais, ao pregar a outras mulheres sobre o fim dramático que lhes espera, recebe as respectivas respostas: é um destino, ‘um fado’ que lhes é imposto pelas miseráveis condições de vida e pelos contextos familiares e sociais dos quais vêem. Ao procurar empregos dignos para as mulheres que procuram sair da prostituição, o pe. Abel Varzim narra como recebe constantemente, da parte de empresários e funcionários católicos e praticantes, as mesmas respostas negativas. Isso leva-o a concluir: esta sociedade, verdadeiramente, não é cristã.

Outra das experiências que o levaram à sua conversão sucedeu-se com a própria imagem de S. Maria Goretti: uma vez instalada na paróquia, esta imagem passa a ser alvo constante de devoção por parte de… prostitutas.

Saíndo do livro, o pe. Abel Varzim fundará diversas obras na paróquia da Encarnação, como “A Casa do Trabalho”, “A Sopa dos Pobres” e o Posto Médico. Mas o mais evangélico de tudo é por ele narrado desta forma:

Imagem12(2)«Um dia, ao fim da tarde, apareceram-me no cartório duas prostitutas. Dos seus dezoito a vinte anos, a pedirem, como outras já o tinham feito, que as arrancasse daquela ‘vida’. Perguntei-lhes: ‘Olhai lá! Porque é que vós me procurais?’ ‘Porque não tem nojo de nós’, respondeu-me uma delas.»

Todo o livro narra, na primeira pessoa, a conversão do pe. Abel Varzim. E, no capítulo I, encontramos como que uma chave que se compreende lendo todo o percurso, e que dará origem ao título:

«Acaba de passar a Procissão dos Passos. A imagem de Cristo, em riquíssimo andor, vergava ao peso da Cruz. Ia, noutro andor, a imagem das Dores. De um lado e doutro do caminho, filas de homens, vestindo capas negras, conduziam na mão lanternas acesas. Grupos de crianças, vestidas a rigor, figuravam os passos da Paixão. Seguia, depois, o Pálio. Debaixo dele, três sacerdotes de olhos fitos no chão. Por fim, marcando o passo dolente do cortejo, uma banda de música.A companhava a Procissão muito povo, compadecido, devoto, indiferente ou curioso. Rezavam uns, olhavam outros, comentavam alguns, sorriam uns tantos.

Não gostei da Procissão!

A Paixão de Cristo continua e será Paixão até ao fim dos tempos. Mas não desta maneira, que é apenas um símbolo e pouco mais. De que serve, com efeito, seguir na Procissão, vestir opas negras, empunhar lanternas, uma vez por ano, se não acompanharmos a Procissão de todas as horas, em que Jesus passa por meio de nós, humilhado e abatido até ao pó da terra, ‘como opróbrio dos homens e o desprezo da plebe’ (Salmo 21), não em imagem de madeira ou de pedra, mas em carne palpitante, sofredora e sangrenta, pelas ruas da cidade, pelas vielas dos bairros, pelas portas dos Hospitais e das prisões, pelas nossas próprias portas? Cristo continua habitando entre nós, mas não O reconhecemos. Contentamo-nos, por isso, com a nossa presença na Procissão das imagens, que é representação e espectáculo, mas não é Paixão.

No entanto, ela continua sem cessar na carne, na alma e na miséria infinita dos homens. Basta abrir os olhos para ver – se o cristão deseja ver – na face dorida da Humanidade a Face do Senhor.»

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  1. […] por isso uma alegria tremenda quando recebi, na livraria, a nova edição do ‘Procissão dos Passos: Uma vivência do Bairro Alto’. Abel Varzim (1902-1964) foi ordenado em 1925 na Arquidiocese de Braga, tendo estudado em Lovaina […]

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